São Paulo, segunda-feira, 14 de novembro de 1994
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Globalização e "neoliberalismo"

FLORESTAN FERNANDES

O declínio do socialismo acarretou um empobrecimento geral do conhecimento crítico. Os cientistas sociais, principalmente os economistas e os politicólogos, assumiram rapidamente uma postura conformista. Da crítica da economia passaram à apologia da ordem. Endeusam a "estabilidade" e ajustam suas contribuições àquilo que é "funcional" aos requisitos das corporações gigantes e das formas emergentes da sua fusão com o Estado capitalista.
Os fundadores da economia, mantendo o mesmo exemplo, calibraram o conceito de internacionalização –da produção, do mercado, das lutas de classes para comprimir os salários, das finanças, da geopolítica militar etc. Essa inteligência dos assuntos concretos parece "obsoleta". De fato, ela não esconderia a realidade com a eficácia de conceitos de marketing alternativos e "técnicos". E não dissociaria o espírito capitalista da opacidade da consciência burguesa diante de interesses privados e de antivalores, nascidos do capitalismo monopolista da era atual.
O que esse capitalismo desvenda, como futuro da periferia? Países como o Brasil podem resistir à regressão que está em jogo na situação de dependência às relações neocoloniais? A formação do Mercado Comum na Europa ensina claramente que o financiamento da integração é extraído de países mais frágeis e do grosso da população pobre, trabalhadora e pequeno-burguesa. Portugal e Espanha arrastam penosamente a carga da "integração econômica". O Leste mergulhou nas trevas. A periferia européia virou, espacialmente, área neocolonial.
A globalização, para o Brasil, tem um sentido de sinal ultranegativo. Extensa parte de nossas classes dominantes experimentará as agruras das velhas burguesias compradoras. O "neoliberalismo" difunde mitos inferiores aos de "um mundo só" e da "aliança para o progresso". Pregam-se, por isso, fórmulas insensatas como o "consenso de Washington". O intervalo técnico, que separa a economia automatizada e informatizada do sistema produtivo montado sob os desígnios da substituição de importações, possui proporções tão descomunais que não há como conceber tamanho salto econômico-tecnológico fora do âmbito dos antigos "negócios da China".
A "dívida" constitui brincadeira de crianças nesse quadro. Quem pagou a modernização do "desenvolvimento econômico" sem democracia? Foi a massa do povo. A meio caminho da "solução" desse catastrófico problema exige-se do Brasil uma modernização com duas implicações essenciais. A primeira equivaleria ao "sucateamento" da economia existente. A segunda representaria uma promessa irrealizável: erigir uma "economia competitiva" no cenário internacional, sem as premissas institucionais financeiras e tecnológicas necessárias. Os dois processos, globalização e "neoliberalismo", significam aumento do desemprego, da miséria e da espoliação externa, para gáudio dos especuladores estrangeiros e de uma minoria nativa privilegiada e já internacionalizada –um passo atrás na soberania nacional!

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