São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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Alceu Valença altera frevo e maracatu

O cantor lança o CD 'Maracatus, Batuques e Ladeiras'

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome tem certa pompa soturna: "Maracatus, Batuques e Ladeiras". Mas esse novo CD do cantor e compositor pernambucano Alceu Valença, 48, quer chegar hoje às lojas como um manifesto de alegria, diversidade e reciclagem dos ritmos tradicionais.
O músico altera a estrutura do frevo e do maracatu nesse seu vigésimo trabalho solo de Alceu em 21 anos de carreira.
"Já produzi um verdadeiro cancioneiro", comenta o artista, que veio a São Paulo para divulgar o CD. Alceu calcula que já tem 300 canções em seu "songbook" crescente.
"Não me interesso em organizar todo o material. Nos shows, tenho prazer em mudar o repertório porque já são tantas músicas."
Alceu não pára em sua casa de Olinda. Tem viajado pelo Nordeste e pela Europa. O último show que fez em São Paulo foi há quatro anos. Quer voltar à cidade com um espetáculo no início do ano que vem.
Não lançava discos havia dois anos. O anterior, "Sete Desejos", foi lançado pela gravadora EMI-Odeon. "Tive de sair a campo porque o disco não acontecia", comenta o músico. "Aí começou a fazer sucesso".
O novo disco sai pela gravadora BMG Ariola e já tem uma das músicas, "Pétalas" na trilha da novela "Quatro por Quatro", da Rede Globo.
Os discos de Alceu seguem um riscado específico. "São conceituais", diz o compositor. "Componho tudo de uma vez".
Algumas músicas, explica, tanto vêm como vão embora, porque ele se esquece delas no calor da invenção. "Outro dia compus uma canção no aeroporto de Brasília, o pessoal gostou, mas eu me esqueci e ninguém se conformou. Daí um assistente meu foi comprar um gravador para ver se eu gravo."
Mas não quer usar gravador e muito menos colecionar os próprios discos. "Ouvir música? Muito menos. Conheço uma coisa ou outra pelas minhas mulheres", brinca.
"Maracatus, Batuques e Ladeiras" traz ritmos tradicionais com mais extroversão do que nos produtos anteriores.
"É uma retomada do folclore pernambucano, mas sob o ângulo contemporâneo, do elétrico", analisa. "O CD é um reflexo da diversidade do meu trabalho e aponta para várias vertentes."
No CD, maracatu, frevo, coco e baião comparecem transfigurados pelo "riff" de guitarra.
"O frevo, por exemplo, tem sonoridade diferente dos frevos de orquestra e de trio-elétrico. Vira um frevo-rock, mas com o "riff" extraído do toque de clarineta das orquestras tradicionais", disserta.
O maracatu recebe injeção de ecletismo. Alceu conta que em "De Onde Vem?", o maracatu de baque virado (mais rápido e obstinado) e mescla ao de baque solto, mais cadenciado. "O efeito rítmico é ambíguo", analisa.
Os temas são amor, utopia e questões sociológicas. "Me pergunto de onde vêm os ritmos pernambucanos. África? Portugal? Ou é brasileiro?"
Alceu acha que o mangue-beat, gênero pop atualmente em moda no Recife, parte das mesmas fontes que sua música. E, embora os "mangueboys" não simpatizem com Alceu, ele os elogia: "É uma outra visão, mas em cima do mesmo depositário afetivo".
A diferença maior está na geração: "Comecei como universitário e queriam que eu ou seguisse João Gilberto ou partisse para Beatles. Optei por uma terceira via".
Para Alceu, a alteração da rítmica pernambucana realizada no disco é a prova que a tradição permanece enobrecida em sua obra.

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