São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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A armadilha da reforma constitucional

ANTONIO DIAS LEITE

Tem-se a impressão de que há, ainda, indecisão quanto às medidas a adotar para que se assegure a continuidade do plano de estabilização e se abra caminho para o desenvolvimento. Sabe-se que os instrumentos de ação até aqui adotados, com relativo sucesso, são insuficientes para uma vitória cabal contra a inflação.
É preciso não subestimar os obstáculos potenciais representados pelo recrudescimento das reações de mercado e de grupos privilegiados às mudanças estruturais em curso e pelas bombas de retardamento ainda por explodir.
É preciso agir rápido com um fortíssimo conjunto de ações coerentes e complementares, específicas para nós, sem inibições doutrinárias ou submissão a paradigmas externos, com respeito apenas a compromissos éticos e limitações constitucionais.
A vitória, nesta etapa do plano, tem de ser alcançada de forma nítida antes da necessária revisão da estrutura política e econômica do país, através da reforma constitucional.
Trato aqui do curto prazo sem o qual não haverá o longo prazo.
Ideal seria que as medidas complementares viessem ainda este ano o que, na opinião de conhecedores da política nacional, parece difícil.
A se confirmar este prognóstico estarão perdidas algumas semanas críticas para a reorganização política, durante as quais as forças negativas poderão adquirir importantes vantagens contra o plano de estabilização.
Tudo isso torna ainda mais difícil o ano de 1995, com a questão objetiva do déficit do Orçamento da União, não resolvida. Não se tem, aliás, de fora do governo que o anuncia, noção precisa do montante desse déficit, já que não estão sendo suficientemente divulgados os números relativos ao comportamento pós-real das contas da União e do Banco Central. Presume-se também que não foram escolhidos, ou pelo menos ainda não se anunciaram, as medidas corretivas correspondentes.
Mas não é só o déficit potencial que preocupa. Há ainda, e principalmente, que encontrar soluções, ou encaminhar soluções em tempo hábil, para os problemas, também urgentes, de controle da inflação e de abertura do processo econômico de desenvolvimento, todos interligados e cuja correção independe, até certo ponto, da reforma constitucional. Entre estes cabe mencionar:
a) a macroreestruturação, necessariamente acompanhada de redução, da dívida mobiliária interna que, pela sua incessante rolagem compulsória, retira do Banco Central parte da sua liberdade de ação no domínio da política monetária e de administração da taxa de juros, além de impor pesado encargo ao Orçamento da União;
b) a reordenação das relações entre os bancos estaduais e os respectivos governos de um lado, e entre estes bancos e o Banco Central, de outro, de forma que se impeça a interferência dos primeiros na política monetária;
c) a desativação de bombas de retardamento representadas por débitos vencidos, diretos e indiretos, da União que dificultam o desenvolvimento de várias atividades produtivas;
d) a regulação das concessões de serviços públicos e da entrada de novos parceiros no domínio da infra-estrutura que abririam caminho para privatizações em grande escala, tanto nas atividades da energia e dos transportes, como, ainda de forma parcial, nas telecomunicações e no petróleo, mesmo sem a eventual quebra dos respectivos monopólios;
e) a solução de pendências entre o governo federal e os governos estaduais, essencialmente o de São Paulo, pela sua dimensão e desenvoltura no descumprimento da lei e dos contratos relativos às concessionárias estaduais de energia elétrica que atingiram de forma mortal a credibilidade do sistema nacional e se transformaram em entrave à privatização das grandes empresas sob o controle da União.
Tudo isso, que é muito, pode ser feito, através de legislação ordinária e ações executivas, já estudadas. Vejo pois com extrema preocupação uma tendência de preterir tais iniciativas em favor de uma prioridade absoluta para a reforma constitucional.
Vejo aí o risco de uma possível recaída na armadilha de 1993, quando a expectativa de revisão constitucional inibiu a obtenção de legislação ordinária urgente e de ações executivas mais enérgicas.
A opção pela legislação e execução rápida envolve decisões técnicas e políticas de maior relevância, para cujo estudo e preparo houve tempo mais que suficiente.
É hora de se fazer ao presidente Itamar Franco um apelo, para que tome, nos próximos e últimos dias do seu governo, a iniciativa de precipitar decisões capazes de consolidar o ainda frágil plano de estabilização e impedir que se percam os pequenos ganhos reais alcançados pelos assalariados de menor renda.
Trata-se de adotar meia-dúzia de medidas de extrema urgência e relevância que requerem aprovação do atual Congresso ou a edição de medida provisória que tenha a possibilidade de valer para o exercício de 1995 se vier a ser oportunamente aprovada pelo novo Congresso.
Constituir-se-ia em atitude de grandeza inusitada se o presidente convidasse o seu sucessor para a definição conjunta desse mínimo indiscutível de medidas de sustentação do plano de estabilização que é, de fato, dos dois presidentes. Ainda é tempo.

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