São Paulo, segunda-feira, 21 de novembro de 1994
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A reforma constitucional

MICHEL TEMER

Amparados na premissa de que o plano de estabilização só terá vida longa caso sejam feitas reformas na Constituição, como a tributária, previdenciária e da ordem econômica, políticos de todos os matizes engrossam a defesa de nova revisão constitucional.
Ou seja, pretende-se modificar a Constituição pela via facilitada: quórum de maioria absoluta em sistema unicameral, em vez de 3/5 em cada Casa do Congresso Nacional (emenda à Constituição).
Nesta altura, a revisão constitucional (via facilitada) é impossível. Explico por quê. As Constituições se pretendem perenes, porém não imutáveis. Sua mutabilidade, entretanto, dependerá sempre de uma vontade qualificada do legislador. Daí porque costuma-se impor um processo árduo, difícil, complicado, para a sua modificação. Isto porque da estabilidade do texto constitucional depende a estabilidade social. Uma Constituição facilmente modificável, flexível, impede a existência de regras fixas na sociedade, gerando angústia e aflição entre os indivíduos.
Exceção a essa regra foi a previsão de uma revisão constitucional. Tão excepcional que a sua alocação se deu, em disposição transitória. Transitório é aquilo que é efêmero, passageiro, fugaz. É aquilo que fenece, se esvai, acaba com a ocorrência do evento. Juridicamente, é regra constitucional transitória aquela que perde a eficácia quando o fato previsto na norma ocorre.
A revisão, prevista que foi no artigo 3º das "transitórias", já se realizou. Perdeu a eficácia aquele dispositivo. A previsão revisora, repita-se, foi excepcional. Não pode transformar-se em regra. Por isso não é possível à emenda constitucional convocar nova revisão (por ela entendido o processo facilitado de modificação constitucional).
Pretender-se a revisão por meio de emenda autorizadora faz supor que ela, a emenda, seja constitucional. Se a autorização para modificação constitucional vier por meio de emenda com ares de ato legítimo, estaremos abrindo oportunidade para sua impugnação perante o Supremo Tribunal Federal.
Sabemos que muitos partidos são contra a revisão e levariam essa matéria ao Supremo Tribunal Federal. O Congresso não pode correr o risco de novos reveses no Poder Judiciário. Seria, para ele, extremamente desmoralizante.
Certo é, porém, que o plano econômico não pode falhar. Nova espiral inflacionária agora, a volta aos velhos tempos, causaria decepção popular incontrolável. Ninguém tolerará a idéia de que o "real" visou apenas às eleições. Consolidá-lo, portanto, é dever de todos os que se dedicam à causa pública.
Assim, a nossa primeira manifestação é no sentido de que o Congresso Nacional, em diálogo com o governo eleito, faça as reformas necessárias por emenda constitucional. Que 3/5 de cada Casa Congressual seja sensibilizada e aprová-la. Uma aliança nacional, agora, em favor do povo, é indispensável. Se há reclamo social, haveremos de atendê-lo. Especialmente se diz respeito à economia do país.
Nossa insistência, assim, é em favor da preservação do direito, sem nenhuma ruptura. O que não se pode, porém, é romper com a Constituição como se nada estivesse acontecendo.
Entretanto, se a única via para a consolidação do plano econômico for a reforma constitucional mediante redução do quórum necessário à aprovação, a solução é a prática de um ato político, não jurídico. Declaradamente político, no sentido de que rompe com a ordem jurídica constituída para jurisdicizar a vontade inafastável e exigente daquele ato.
A nossa preocupação é que não se faça, agora, o que se fez por meio da chamada "emenda constitucional nº 26", de 1985, convocatória da Constituinte. Não era emenda. Foi ato político que não encontrava amparo na Constituição. E todos silenciaram. Agora não será possível silenciar.
Assim, se o governo quiser a reforma, não deve disfarçá-la com o manto de emenda. Há de ser o que é: um ato político que, por ser declaradamente tal, é insusceptível de apreciação judicial.
Será ato revolucionário, transformador, à medida que rompe declaradamente (insisto) com a normatividade constitucional em vigor. Por isso mesmo a sua aprovação não exige os 3/5 de votos, já que não obedecerá a nenhum procedimento formal.
Mas é importante, nessa hipótese, que a reforma constitucional não reduza os direitos e garantias individuais nem os princípios atinentes à Federação, à separação dos Poderes e ao voto.
Mas esta, reitero, é solução extrema. Só poderá ser cogitada se não houver outra solução. E se assim for feito, impõe-se que o ato convocatório preveja referendo popular para aprovar as modificações empreendidas. Significa: buscar na fonte do poder (o povo) a legitimação dos atos praticados.

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