São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994
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Ferrara atualiza 'Os Invasores de Corpos'

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Os Invasores de Corpos", de Abel Ferrara, é a terceira versão de uma fantasia poderosa: a da invasão da Terra por seres alienígenas que se transformam em duplicatas perfeitas dos indivíduos reais –só que sem emoções.
Aos poucos, esses clones vão substituindo os seres humanos originais. Seu objetivo, obviamente, é a conquista do planeta.
A versão de Ferrara, inexplicavelmente inédita em nossos cinemas, ao mesmo tempo restringe o foco e amplia a extensão desse pesadelo. Sua história se passa toda no interior de uma base militar americana, onde o cientista Steve Malone (Terry Kinney) se estabelece com sua família para investigar efeitos ambientais de produtos químicos manipulados na base.
Para completar, há tensões e atritos no interior da família: a adolescente Marti (Gabrielle Anwar) não se dá bem com Carol (Meg Tilly), a jovem mulher de seu pai. Acaba sobrando para o pólo mais fraco do grupo, o filhinho de Carol e Steve.
Esse pequeno mundo cheio de arestas, em que não se pode confiar em ninguém, é um terreno propício à paranóia. Não é difícil começar a acreditar que todos em volta fazem parte de uma conspiração ou foram substituídos por réplicas com intuitos malévolos.
É nesse contexto que entram em cena os invasores de corpos. Eles são a materialização das mais terríveis fantasias paranóicas. Eles querem acabar com a individualidade humana –o que significa acabar com a espécie e substituí-la por um exército de autômatos.
A atualização dessa idéia por Ferrara condescende, por um lado, com a necessidade de tornar tudo mais explícito e espetacular no cinema de hoje. Seus aliens são gosmentos fetos gigantes, os humanos substituídos murcham horrendamente enquanto dormem, o combate entre homens e invasores produz explosões pirotécnicas.
Por outro lado, Ferrara aposta sutilmente numa idéia ousada: a uniformização da humanidade já aconteceu. "Desista. Só você ainda é diferente" –esta é a mensagem que se repete durante o filme.
Ferrara, é claro, não desiste. Sua afirmação é a da diferença (veja-se o terrível confronto entre irmãos, no helicóptero), embora nos limites do filme de gênero.
O espectador acostumado ao aparente desleixo naturalista dos filmes anteriores do diretor ("Olhos de Serpente", por exemplo) se surpreenderá com a segurança com que ele manipula os recursos exigidos por um thriller como "Os Invasores de Corpos": roteiro engenhoso, ritmo perfeito e, sobretudo, elipses precisas (é preciso cultivar a dúvida sobre quem é invasor).
Com essa proeza, Ferrara mostra que ainda é um alien no alienado cinema americano.

Vídeo: Os Invasores de Corpos (Body Snatchers)
Produção: EUA, 1993
Direção: Abel Ferrara
Elenco: Gabrielle Anwar, Meg Tilly, Terry Kinney, Billy Wirth
Lançamento: Warner (tel. 820-6777)

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