São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994
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A grande máfia

As imagens das Forças Armadas ocupando as ruas do Rio de Janeiro na tentativa de reduzir a violência na cidade –e mesmo a polêmica que essa ação já vem suscitando na sociedade– exigem que se faça uma reflexão um pouco mais detida sobre o tráfico de drogas e toda a criminalidade que o cerca.
É evidente que o tráfico só existe porque há pessoas que desejam consumir drogas e estão dispostas a pagar por elas. Seria arrematada tolice acreditar que a maioria dos consumidores de entorpecentes do Brasil se concentra no Rio de Janeiro, o que explicaria os índices de violência da cidade.
A venda de drogas ocorre em escala internacional e, a crer em estudo do Departamento de Estado dos EUA, o Brasil já se tornou um dos principais corredores para a distribuição da cocaína. Além disso, de acordo com o mesmo estudo, o país já é o segundo maior centro de lavagem de dinheiro do tráfico e está entre os seis maiores fornecedores de éter e acetona, produtos essenciais para a transformação da folha de coca em cocaína.
Trata-se de um mercado que movimenta bilhões de dólares por ano no mundo inteiro. E mais, é um dinheiro que passa praticamente incólume pelo fisco, o que o torna extremamente líquido, ou seja, bastante oportuno quando se deseja realizar qualquer espécie de operação ilícita, desde o financiamento ilegal de campanhas políticas até o pagamento das propinas que sustentam a corrupção mundial.
Diante da magnitude e das inúmeras ramificações do mercado internacional de drogas, parece claro que as Forças Armadas, agindo especificamente no Rio de Janeiro, não têm a menor condição de bloquear o comércio de estupefacientes, nem mesmo no âmbito da capital fluminense.
O que o Exército tem condições de fazer, isto sim, é iniciar –e ainda assim timidamente– o processo de levar o Estado (segurança, educação, saúde) para onde jamais esteve: as favelas do Rio. É claro que o tráfico sempre carrega consigo a criminalidade, mas o faz em taxas variáveis. Pode ser nos níveis de Zurique ou nos do Rio. A diferença está justamente no grau de presença do Estado. Entre os Alpes suíços e os morros cariocas, abre-se uma diferença abissal. É essa imensa vala que o Brasil tem de começar a recobrir.

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