São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 1994
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Espermatogônias

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO – Copérnico tirou o homem do centro do universo; Marx tirou o homem do centro da história; Freud tirou o homem do centro de si mesmo. A revolução deve completar-se logo, quando o homem conseguir retirar a natureza do centro de si mesmo.
Como esta Folha revelou ontem, uma equipe de cientistas dos EUA foi capaz de transplantar, para camundongos que não produziam espermatozóides, as células responsáveis pela sua geração, as espermatogônias. Basta implantar, por meio da engenharia genética, uma alteraçãozinha qualquer na espermatogônia e, pronto, toda a decendência de nossa pobre cobaia receberá essa alteração, permanentemente.
Ao que tudo indica, portanto, teremos em breve a chance de reparar os grandes equívocos que a natureza cometeu quando da criação de homens e camundongos. Mas não sejamos muito severos com a natureza. Afinal, quem poderia prever, há 12 bilhões de anos, que o carbono se ligaria a meia dúzia de outros elementos químicos provocando o surgimento de ratos e homens?
Voltando ao que interessa, as possibilidades parecem ser ilimitadas. Seria possível eliminar uma série de doenças genéticas como a hemofilia e alguns tipos de câncer. Até aí, acredito que a maioria achará positivo.
A discussão ética se torna mais delicada quando as encomendas chegarem a outros campos como, por exemplo, a cosmetologia. Alguém vidrado nos olhos de Ingrid Bergman poderá programar toda a sua progênie para ter idênticos globos oculares. "Que todas as mulheres do mundo tenham os olhos de Ingrid", proclamarão alguns. Outros se mostrarão preocupados com a mesmice dos olhos femininos. Haverá até aqueles que se indagarão sobre o aspecto ético desse tipo de alteração.
Até onde deve-se permitir que a ciência manipule os genes? Acredito que a discussão deve ser pautada pelo bom senso. Tudo o que puder poupar os homens de sofrimentos desnecessários e puder melhorar sua saúde deve ser aceito. Quando a coisa transcender o limiar de um critério positivo e quase universalmente aceito, deve-se pensar duas, talvez três vezes. Afinal, a natureza já errou uma vez, 12 bilhões de anos atrás.

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