São Paulo, sexta-feira, 25 de novembro de 1994
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Homens viram coadjuvantes do êxtase feminino em "Sereias"

EDUARDO SIMANTOB
DA COORDENAÇÃO DE ARTIGOS E EVENTOS

Filme: Sereias
Direção: John Duigan
Produção: Inglaterra/Austrália, 1994
Elenco: Sam Neill, Hugh Grant, Tara Fitzgerald, Elle Macpherson
Onde: Arouche B, Cal 2 e Gazetinha
Sexo versus religião. Ou dogma versus paganismo. É este o conflito que o diretor australiano John Duigan procura explorar em seu filme "Sereias".
O epicentro escandaloso do filme é a figura do pintor e escritor australiano Norman Lindsay (1879-1969). Morando num sítio a 150 km de Sidney, Lindsay lá se fechou com sua mulher, duas filhas e jovens modelos que inspiravam suas imagens sacrílegas de temas bíblicos.
A casa de Lindsay, inclusive, encontra-se preservada por uma instituição governamental e serviu de locação para o filme.
Estamos no período do entre guerras (décadas de 20 e 30). O local é uma Austrália impregnada pelo puritanismo britânico, contrastando com a cultura aborígene e com a vastidão do território, convidativa à manifestação de um ideal de liberdade mais selvagem que a salvação pela cruz.
Hugh Grant, recém-lançado ao estrelato após o sucesso de "Quatro Casamentos e um Funeral", oferece o contraponto à arte de Lindsay no papel de um missionário anglicano na Austrália.
O jovem pároco tem por missão convencer Lindsay a retirar de uma exposição internacional seu quadro "A Vênus Crucificada", em que uma voluptuosa mulher nua balança na cruz, com membros da Igreja aos seus pés.
Grant provavelmente decepcionará suas fãs mais ardentes. Assexuado pela camisa-de-força da prepotência colonial inglesa, seu personagem é um poço infecundo de dogmatismo.
Mas a história não se fixa somente nos discursos. Enquanto os homens contrapõem suas idéias, são as mulheres que dão o show.
Destaque para a ninfa Elle Macpherson, top model que contradiz a tese de que belas curvas derrapam em cérebros de minhoca. Ela é a mais "dionisíaca" das modelos de Lindsay, e é através delas que o universo do pintor se abre aos olhos do espectador.
E não só para nós, passivos fetichistas, mas principalmente para a mulher do padre Campion (a atriz Tara Fitzgerald), que não fica imune às volúpias da casa.
Em "Sereias", os homens são meros coadjuvantes do êxtase das fêmeas. A figura de Lindsay restringe-se a reproduzir a naturalidade explícita de suas musas, reconhecida a superioridade delas.
Já o padre Campion não tem capacidade de entender qualquer aspecto da alma feminina. A masculinidade fica por conta de Lewis, um camponês cego que também serve de modelo para o pintor.
O casal puritano, assim com Lewis e as modelos, são criações do diretor Duigan para compor o universo criado por Lindsay. Uma "licença poética" coerente, que só peca pela falta de sutileza.
Não seria exigir demais, afinal os encantos de "Sereias" –a sexualidade pagã, o artista maldito em seu retiro profano– poderiam tocar de forma mais sublime em mãos menos pesadas, como as de Jane Campion (diretora de "O Piano"), só para ficarmos entre os cineastas da região.

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