São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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É preciso não complicar as coisas simples

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sistema tributário brasileiro tem baixo nível de eficácia. Há um hiato entre o que a lei estabelece teoricamente e o que ocorre na realidade. Impera decisivamente, conspirando contra a efetiva aplicação dos tributos, a evasão tributária nas suas variadas modalidades: contrabando, omissão, inadimplência e sonegação.
Se houvesse uma boa administração tributária, tal estado de coisas poderia ser minimizado. Mas os governos têm primado por desmobilizar e destroçar a administração tributária. Hoje há uma absoluta carência de recursos humanos, materiais e de informática.
O dramático da situação é que a escassez de recursos humanos pode ser compensada por pesados investimentos em informática, para superar a deficiência de pessoal. Ocorre que a informatização de administração tributária, regra geral, é ainda muito incipiente no país, principalmente no nível federal.
Os técnicos da Secretaria da Receita Federal, por exemplo, deram nos anos de 1993 e 1994 um exemplo de que, motivados e valorizados, conseguiram suprir as deficiências ambientais e produzir um resultado exponencial.
O problema reside em que a mobilização não dura eternamente se as autoridades não acompanharem o desenvolvimento do processo com medidas que impliquem efetivo reconhecimento da excelência do desempenho obtido e forneçam os recursos adequados para que a dinâmica do processo não sofra atrasos nem retrocessos.
É ingênuo acreditar que mudanças nas leis, objetivando simplificá-las e racionalizá-las, por si só, produzam resultados efetivos, no sentido de minimizar a evasão tributária, dando maior nível de eficácia ao sistema tributário.
Sem uma boa administração tributária, o Brasil continuará forte concorrente no campeonato mundial da evasão. Com chances de ganhar não modesto tetracampeonato, mas o título de campeão eterno.
Embora o pagamento do tributo devido seja obrigatório por lei, a realidade é que impera no país um verdadeiro "laissez faire, laissez passer", um liberalismo em que se paga o que se quiser.
Claro que isso não vige para o assalariado. Este não tem opção evasora. É-lhe descontado o Imposto de Renda na fonte. Paga menos por virtude e mais por rendição ao mecanismo de arrecadação concebido.
A empresa muitas vezes retém o tributo devido pelo assalariado, não o transfere para o fisco, apropriando-se indevidamente do que não é seu. É importante que tal comportamento seja apenado, utilizando-se a lei existente.
Há associações filantrópicas, de benemerência, sociais e esportivas que também praticam essa apropriação.
O fisco deve evitar cumprir a lei mecanicamente. Deve cumprí-la com inteligência. Por exemplo: muitos clubes de futebol, com grandes torcidas, não recolhem o Imposto de Renda incidente sobre os salários de seus funcionários e atletas.
Cobre-se o tributo de seus dirigentes. A lei estabelece a responsabilidade solidária dos dirigentes em relação aos atos que praticarem com excesso de poderes. Foram eles que optaram por não pagar o tributo. Portanto, que o seu patrimônio pessoal responda pelo débito, sem afetar o patrimônio do clube, cuja torcida envolve, às vezes, milhões de fãs.
É a solução menos dolorosa, posto que dirigida ao responsável pela evasão. Fala-se que as leis têm pouca eficácia no país. Há muitas leis, bem feitas, mas de baixo nível de aplicação.
Se as autoridades cumprirem o seu dever nas suas respectivas áreas de atuação, irrestritamente, sem temperamentos políticos ou influências estranhas à legalidade, o que se verá é uma mudança acentuada de comportamento, tornando o país aperfeiçoado sob o ponto de vista da observância da lei.
Por outro lado, são majoritários no país os impostos declaratórios, vulgarmente chamados de impostos caracterizados pelo autolançamento, em que o contribuinte deve espontaneamente realizar o pagamento do imposto devido, sem a interferência do fisco.
Uma forma de evasão corriqueira é o estabelecimento vendedor de mercadorias ou prestador de serviços não emitir nota fiscal relativa às mercadorias vendidas ou aos serviços prestados.
Tal omissão acarreta o desvio dos recursos de tais transações para o chamado "caixa dois" da empresa, isto é, recursos que não entram na contabilidade oficial da empresa e, portanto, são evadidos da tributação.
O elenco de tributos evadidos é vastíssimo. Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, IPI, ICMS, Cofins, contribuição sobre o lucro, PIS, se a empresa é industrial. Os mesmos tributos, exceto o IPI, quando a empresa é comercial.
Se a empresa é prestadora de serviço, excetuados os serviços de transporte intermunicipal e de comunicação, acrescenta-se o ISS e retira-se o IPI e o ICMS.
Ao redigir esta sumária explicação, sinto o cipoal tributário em que se enredou a atividade econômica brasileira, dando ensejo a que as empresas reclamem com justa razão não apenas da carga tributária global que suportam, mas da quantidade de outros tributos a que necessariamente estão submetidas, como o IPTU e a contribuição sobre a folha de salários.
Embora grande parte desse ônus tributário seja transferido para o consumidor, a verdade é que representa um encargo financeiro significativo para a empresa.
É preciso não complicar as coisas simples. Desburocratizar. Simplificar. Racionalizar. Em matéria de impostos, deve-se adotar um princípio básico: quem deve imposto, tem de pagá-lo. Seja quem for. Desde o ministro até o faxineiro, do contínuo ao tubarão, do presidente à moça de programas remunerados. Aplicar a lei e cobrar o tributo devido sem privilégios, exceções ou jeitinhos tão brasileiros. Muda Brasil.
Muda Brasil, mudança no Brasil. É o que o povo deseja. E aguarda com otimismo, fantástica mudança que o Plano Real fez aflorar, enxotando o pessimismo, a descrença e a perda de estima existente até há bem pouco tempo.
É hora de o governo, principalmente o novo, entender o sentido da mudança e assumir a liderança do processo, dando-lhe direção segura, consequência e resultado. Governo do povo, para o povo. Parece chavão, de tão repetido. Governo que não seja voltado para a minoria privilegiada.
Mudar a história tradicional do Brasil. Governo destinado a zelar pelo bem comum, pelo bem estar do cidadão. Governo em favor da maioria, governo sem negociatas e sem favoritismos, democrático, probo e decente.
É isso aí. Decência governamental. Governo sem salto alto e sem topetes. Efetivo. Não às ameaças gratuitas, ao palavreado incontido e grosseiro. Ação consistente e efetiva para beneficiar o povo sofrido deste país.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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