São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Russo acha máquina inferior

ANDRÉ FONTENELLE
DE PARIS

Garry Kasparov, 31, ainda é reconhecido unanimemente como o melhor jogador do mundo, mas sua reputação foi arranhada na temporada de 1993.
Algumas derrotas inesperadas –principalmente para o Pentium Genius, em Londres, em setembro– mostraram pela primeira vez o campeão vulnerável.
Nesta entrevista, Kasparov reafirma sua crença na superioridade do homem sobre a máquina.(AFt)
Folha - Como se sente tendo que responder a tantas perguntas sobre a derrota para o computador em Londres?
Garry Kasparov - Não muito à vontade, acredite, mas, como campeão, acho que é até bom para o xadrez, porque mais pessoas prestam atenção ao jogo e aumenta o interesse por confrontos homem x computador. Acho que esse tipo de competição poderia ser uma das maiores experiências científicas do fim do século e pessoas fora do xadrez se interessariam.
Folha - O sr. já derrotou um computador e disse que o fizera para "salvar a humanidade". O sr. acredita que os computadores possam se tornar imbatíveis?
Kasparov - Não. Tenho muita confiança no potencial do cérebro humano. Mas temos que compreender agora que os computadores estão se tornando tão fortes, tão rápidos e com um conhecimento de aberturas tamanho que nós precisamos de uma preparação especial para esse tipo de match. Não é mais como antes. Agora é um novo tipo de evento. Para enfrentar a máquina, é preciso esquecer o xadrez humano. É uma nova dimensão psicológica. Não diria que é mais complicado: é diferente. Por isso sou contra os torneios mistos. Estamos preparando um match homem versus computador para 95 e eu quero participar.
Folha - O sr. não diz isso porque perdeu?
Kasparov - Não. Essa é a explicação mais simples. Mas, se você perguntar aos outros jogadores, há uma forte recusa de enfrentar o computador. Esse pedido foi feito em Londres e eu aceitei a responsabilidade. Continuo a favor dos confrontos, mas acho que foi um erro incluir o computador em um torneio puramente esportivo. Ele pode influir –e influiu– no resultado do Grande Prêmio.
Folha - Seu título mundial sofre alguma ameaça?
Kasparov - Sempre há um risco de perder o título. No ano que vem, o ciclo dos candidatos vai ser equilibrado. Mas acho que ainda sou favorito contra Viswanathan Anand ou Gata Kamsky e tenho energia suficiente para manter o título em um match prolongado.
Folha - Quem pode ser o próximo campeão?
Kasparov - Sou suspeito para fazer previsões. Há jogadores talentosos, como Anand, Vladimir Kramnik, Kamsky. Os dois primeiros têm mais chances.
Folha - O sr. é a favor da unificação do título mundial? Alguma vez, discutiu isso com Anatoli Karpov, campeão da Fide?
Kasparov - Não acho que Karpov seja uma pessoa crucial nesse processo. Queremos que o campeão mundial –ou seja, o vencedor do match Kasparov x Anand ou Kamsky– enfrente o vencedor do ciclo Fide. Karpov está entre os jogadores que podem chegar lá no fim de 95. Estamos negociando com a Fide. Há cada vez mais pessoas que compreendem que a guerra total que eles declararam à PCA há um ano e meio não levou a nada e que a paz será benéfica.
Folha - Acredita que uma mulher possa se tornar campeã mundial um dia?
Kasparov - Se isso acontecer, será depois que eu perder o título.
Folha - A PCA pensa em organizar torneios no Brasil?
Kasparov - É uma boa pergunta. Joguei recentemente na Argentina e no Peru e poderia ter feito uma grande turnê. Mas acabou não acontecendo. Há um problema substancial para organizar grandes eventos na América Latina: as grandes empresas se preocupam com o sucesso comercial dos torneios e hoje, infelizmente, a América Latina e a Ásia estão fora dos planos dessas empresas.
Folha - Conhece brasileiros? Ouviu falar da volta de Henrique Mecking?
Kasparov - Sim.
Folha - Acredita nela?
Kasparov - (Sorri) Não, não acredito na volta de Mecking, nem na de Bobby Fischer. Seus resultados não foram muito bons. Depois de uma parada tão longa, não acho possível um retorno bem-sucedido.

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