São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Viagens trazem síndromes rurais desconhecidas para metrópoles

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Torna-se cada vez mais frequente no mundo o aparecimento de doenças infecto-contagiosas silvestres em áreas metropolitanas.
Essas doenças podem ser bacterianas, como a de Lyme e a produzida pela Ehrlichia descrita em 1984, ou de natureza viral.
Elas costumam ter como reservatório um animal silvestre, geralmente macaco ou roedor, e passam ao homem quando este penetra a floresta ou se estabelece em áreas recém-desbravadas, através de artrópodes (mosquitos e carrapatos).
Como cresceram a rapidez e a facilidade dos meios de transporte, não é raro aparecer doença africana em centro europeu ou norte-americano.
É o caso, por exemplo, do vírus Marburg africano isolado na Alemanha, e do aparecimento de malária do continente negro em cidades norte-americanas.
Também estão surgindo vírus "misteriosos", como o X do Sudão, que rapidamente provocou grave epidemia e depois desapareceu sem deixar vestígios e sem retornar.
Curiosa é a história do vírus Sabiá, aparecido no Brasil em 1990. Uma engenheira-agrônoma se internou no hospital com febre altíssima e pouco depois faleceu.
Dela os especialistas isolaram vírus do grupo Arena, que foi chamado de Sabiá (nome da localidade de origem) e contaminou um dos especialistas, que felizmente se recuperou.
Amostra do vírus foi enviada à Unidade de Pesquisa em Arbovírus da Yale University, Estados Unidos, para confirmação do diagnóstico e outros estudos.
Quando o material virulento, apesar de todos os cuidados que a situação exigia, estava sendo centrifugado, o recipiente que continha o material se espatifou, espalhando o vírus que, não obstante as cautelas que o caso requeria, infectou o pesquisador, talvez por respingos que atingiram os olhos e o nariz. O cientista se curou pelo uso de uma droga ainda em estado experimental.
O vírus Sabiá provoca, além da febre, degeneração do fígado e quadro hemorrágico generalizado, em que o sangue pode escorrer até dos olhos e dos poros.
Confirmou-se nos Estados Unidos que o vírus pertence ao grupo Arena, onde tem como companheiros outros agentes estranhos, como o Lassa, africano, e Junin, Machupo e Guanarito da América do Sul, que podem desencadear quadros clínicos semelhantes. Acredita-se que em todos os casos o reservatório do vírus seja roedor ou macaco, e o transmissor seja artrópode.
O protótipo dos vírus Arena é o agente da coriomeningite linfocitária, que infecta o homem, o camundongo doméstico e o hamster dourado. No homem a infecção manifesta-se como episódio febril e gripal leve, havendo muitos casos de infecção inaparente. Durante a gravidez pode provocar abortamento ou lesões cerebrais no feto (muito raramente).
No camundongo a doença possui caráter endêmico, infectando-se os animais tanto horizontalmente –de um indivíduo a outro– quanto verticalmente –de mãe para filho.
A transmissão horizontal deve dar-se pela urina e pelas fezes. A passagem do vírus do roedor ao homem é rara. No camundongo adulto a primeira infecção promove quadro agudo no sistema nervoso central, matando alguns indivíduos e poupando outros, que não revelam sequelas.

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