São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Redobrar a cautela

A maciça aprovação dos habitantes da cidade do Rio de Janeiro à ação das Forças Armadas contra a criminalidade, como revela pesquisa Datafolha publicada na edição de hoje, sugere que os militares devem não só continuar a agir com cautela como também redobrá-la.
A fórmula de ação adotada até aqui parece ser correta, o que ajudaria a explicar o apoio dos cariocas à operação, incluindo os moradores dos morros. De fato, os militares vêm tomando todas as precauções para evitar o confronto aberto com os traficantes, o que poderia muito facilmente causar pesadas baixas à população civil.
De outro lado, a presença ostensiva de soldados e a divulgação das operações pelos meios de comunicação transmitem uma sensação de segurança ao carioca que ele não experimentava há muito tempo. E é evidente que o aspecto psicológico é uma das mais importantes frentes de batalha. O Exército vem conseguindo quebrar o tabu de que quem manda nos morros é o tráfico. Trata-se do primeiro passo para que o poder público substitua a delinquência no controle das favelas.
É claro que todo o esforço será em vão se não houver um plano coordenado efetivo para que o governo do Estado do Rio de Janeiro ocupe gradativamente essas áreas que, espera-se, serão aos poucos "liberadas" pelo Exército. O governo fluminense terá de levar segurança, educação e saúde aos morros. Isso passa, é óbvio, por uma depuração dos quadros da polícia, pela reestruturação dos sistemas educacional e de saúde do Estado, enfim, por um programa de recuperação econômica da capital fluminense, tanto no âmbito estadual como também no federal.
Tudo isso evidentemente é tarefa que exige mais tempo do que o que resta de mandato ao atual governador do Rio e do que prevê o convênio firmado entre os Executivos federal e estadual. Diante do exposto, parece claro que o convênio deve ser renovado por um um novo período determinado em que se possa, pelo menos, dar início a essas reformas tão profundas que o Rio hoje demanda. É igualmente evidente que o Exército não pode ficar nas ruas para sempre.
A quase unânime aprovação popular às operações das Forças Armadas também recomenda aos militares que sejam muito mais rigorosos do que vêm sendo no cumprimento estrito da lei, sob o risco de a sua atual boa imagem ser aos poucos corroída. Também ajudaria a imagem das Forças Armadas se os militares dessem a devida transparência a suas ações.
Os intoleráveis atentados diários a direitos e garantias constitucionais devem cessar imediatamente. Não se pode mais admitir que pessoas sejam detidas por estar sem documentos (o que não é crime) e que casas sejam revistadas sem mandados específicos de busca e apreensão. Trata-se de abusos que, guardadas as imensas diferenças de proporção, acabam igualando os soldados aos fora-da-lei.
Embora não seja o caso hoje, seria até preferível que se decretasse o estado de defesa. Nessas circunstâncias, pelo menos, os desmandos cometidos teriam o amparo da lei. O que não se pode tolerar é que permaneça o atual estado de defesa branco, em que a Constituição é cotidianamente arranhada por aqueles que deveriam protegê-la.

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