São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Esperando FHC

Cada discurso ou declaração de FHC estimula reações antagônicas. De um lado sobressai a cautela, o jogo de cintura, a lei do silêncio. A roleta de ministeriáveis gira sem parar. Nada se diz sobre a agenda, as prioridades, os próximos passos. Os mercados amargam decepções.
Na opinião pública e entre os agentes econômicos, porém, o tônus oposto predomina. Entre os segredos do futuro presidente estariam enormes e repentinas transformações. Nas mãos desse homem o Estado seria domado. Da privatização à reforma fiscal, passando pelas emendas à Constituição e pela abertura da economia, sem falar na inauguração de uma nova fase de investimentos ou do resgate da dívida social, todos os anseios se projetam no espaço deixado propositadamente vazio por FHC. As expectativas de mudança econômica e política variam, como é típico da sociedade brasileira.
É difícil saber se essa estratégia prima pela astúcia ou pelo risco. O segredo é sempre a alma do negócio, mas a política é um negócio sem alma. Principalmente quando pioram as condições econômicas.
É justamente o que vem ocorrendo. Nada catastrófico, mas o suficiente para tornar muito mais ansiosa a espera pelo ajuste ou pela agenda do novo governo. E não é apenas a inflação que ameaça.
A chamada âncora cambial é hoje alvo de críticas relevantes. Tornou-se estampada a inconsistência entre luta contra a inflação e sobrevivência de indexadores como IPC-r, Ufir ou TR. Os juros reais extremamente elevados contribuem pouco para conter a demanda.
Já se ingressou num processo de estabilização, mas a dívida pública continua concentrada no curtíssimo prazo, impedindo a construção de um horizonte de queda dos juros. O país mostra-se estruturalmente incapaz de aumentar importações sem esbarrar em burocracia, portos e aeroportos ineficientes. E a cada semana surgem novas estimativas de déficit público para 1995.
Ou seja, mais além da oscilação conjuntural de índices de preços, o Plano Real desperta hoje incômodos conceituais. A âncora cambial perturba e atrapalha, a âncora fiscal é duvidosa, a monetária inexiste e a indexação persiste.
É incontestável a urgência, não de correções localizadas, não de lábia, mas de uma redefinição mais ampla que restaure a consistência e a credibilidade da estabilização. Se o Real foi um lance de ousadia calculada, ponderada pelas circunstâncias políticas, necessita-se agora de ousadia maior. Porque doerá.
Doerá imprimir firmeza e austeridade aos novos governos estaduais. Doerá mostrar que é preciso coletar mais impostos. Ou que de algum modo, mesmo negociado, os salários deverão ser mais expostos à livre negociação, sem correções automáticas. Ou que para enfrentar a concorrência de produtos importados será inadiável racionalizar a produção, aumentar a qualidade, reduzir margens de lucro.
Tudo isso dói. Mas a estabilização e a consistência da política macroeconômica dependem da disposição da sociedade de acreditar que vale a pena suportar a dor, no curto prazo, em nome de um bem que poderá vir apenas depois.
A sociedade brasileira talvez precise aprender a esperar. O silêncio cauteloso de FHC parece, desse ponto de vista, ter uma função bastante didática. Mas é evidente o risco de a espera prolongar-se demais. E se o novo presidente abrir mão de ajustes corajosos, a ponto de corroer sua credibilidade, tudo terá sido apenas absurdo.

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