São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Louvação ao Rio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Por mandato e mercê de El Rei Dom João 3º, foi posto a funcionar um formosíssimo lugar que outro não existirá mais belo e fecundo. E que após havenças e desavenças se houve de chamar "rio" porque era mar. E "de janeiro" porque era março. Já era um destino, vocação e premonição de seu futuro complicado e das complicadas gentes que aqui se postaram.
De Villegaignon a César Maia a cidade foi pródiga para todos os que a possuíam. E tempo houve em que gaúchos amarravam seus pingos no obelisco e mineiros aqui chegavam para comprar bondes. E injusto seria esquecer o baiano povo que de Ruy Barbosa e Caetano Veloso sempre teve plebe a louvar-lhe o estro, a facúndia e a bossa.
Sem esquecer, outrossim, os muitos e exóticos povos que habitam o sentetrião, também conhecido por Norte-Nordeste, e que aqui desabam para diversificados misteres, desde os paus-de-arara que chegam mal-informados sobre a construção civil até aqueles que se dedicam ao emblemático ofício de cômico da TV.
E pronta logo ficou a cidade para nunca ficar pronta. O carioca –esse sim– sábio no sofrer, com a cidade cresceu e trepou pelos morros, encostas e vales. Mais continuou a trepar e até hoje gosta de trepar onde até impossível for.
É tamanha coisa o Rio, da boca de sua barra para dentro de suas várzeas, que a cidade logo ficou maior da boca para fora. E para cujas gentes o possuir mulher não é prazer mas assunto. Ao qual, assunto, se dedicam com alacridade e variegados modos os homens desde a juventude até a improdutiva idade. Sem menosprezar aqueles, igualmente numerosos, que além do assunto preferem os homens –o que constitui outro e divertido assunto.
Empório dos tamaios com suas pirogas e dos jesuítas com seus crucifixos, evidente que não podia dar certo. E paremos por aqui nessa prosa metida a setecentista ou coisa que o valha. O Rio anda tão ultrajado que não merece escárneo suplementar. Mesmo porque faltam ao escriba engenho e saco.

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