São Paulo, domingo, 27 de novembro de 1994
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Nosso tempo

CAIO TÚLIO COSTA

O mais recente filme de Oliver Stone, "Assassinos por Natureza", não é apenas ótimo, é obra-prima.
Ele transcende a grande maioria de filmes nos quais o assassino é o protagonista maior –personagem mais requisitado no cinema que os pais de família, conforme atestam os historiadores, os mesmos que dividem os assassinos no cinema em inocentes, artífices ou coletivos. Atropelando-os, a indústria de Hollywood desenvolveu o "serial killer": "O Silêncio dos Inocentes", de Jonathan Demme, foi fundo na exploração psicológica dessa espécie alimentada pelos abismos mentais da sociedade americana.
Agora, "Assassinos" alia uma vertiginosa técnica de montagem cinematográfica, o elogiado "estilo videoclipe" do diretor, com a simplicidade de um roteiro que não deixa pedra sobre pedra. Depois de "Platoon", uma sujeira sobre uma guerra suja, e "JFK", fatos inverossímeis com pretensão de documentário revelador, Stone se redimiu fazendo o mesmo e acertando sem querer.
Stone continua tão simplista e dicotômico quanto sempre foi. "Assassinos" é de uma banalidade arrasadora. Qual a inovação possível num roteiro em que um jovem casal sai matando a torto e a direito e acaba astro de TV? Qual a novidade em criticar a televisão, deliciando-se em acompanhar as cenas de tragédia do casal, e concluir que ela, a TV (e, por consequência, a mídia), vive do elogio à violência? Qual a novidade em matar quem se gosta? Nada mais usado no cinema desde Murnau com "Sunrise", em 1927, passando por Hitchcock, Fritz Lang, George Cukor e até Fassbinder, nos anos 80, com "Querelle".
Bom, mas em "Assassinos" tem novidade sim. Ela surge exatamente da superficialidade. Nunca o cinema foi tão simplista numa temática tão densa quanto nesse filme. Dessa materialidade selvagem, transformada em leitura visual no ritmo frenético do clipe, nasce a grandeza. Os dois psicóticos estão ali para tudo, vêm do nada e a violência os acompanha desde sempre, imagem manifesta na onipresença da televisão.
Os efeitos especiais criados por Stone servem mais para segurar a audiência, embora ajudem a contar a história. Efeitos imãs, eles grudam o espectador à tela e permitem, por intermédio da brutalidade do roteiro, a criação de uma consciência crítica –e não somente em relação à sociedade norte-americana. Com muito menos técnica, os noticiários policiais brasileiros (vide "Aqui Agora" e "Fantástico") incorporam, antes do filme, os clones dos aterrorizantes Mickey (Woody Harrelson) e Mallory (Juliette Lewis).
Nada disso foi levado em conta pelos críticos brasileiros. Stone acaba de ser xingado de enganador e autoritário, minimizado como criador de fogos de artifício e adjetivado, sem maiores reflexões, de simplista e superficial. Talvez seja tudo isso e já o mostrou em outras obras. Em "Assassinos", esses clichês o ajudam a retratar com realismo não o que pode vir a ser uma sociedade como a nossa, mas sim o que ela já é, fundada que está nas bases do obscurantismo, a marca da atualidade. Este é o fim no zênite visível da civilização. Não se deve condenar Oliver Stone por tanta lucidez. Bravo!

Ilustração: Detalhe da instalação "Perseguição, Medo, Catástrofe: Ruskin B.C.", de Stan Douglas, 1993.

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