São Paulo, segunda-feira, 28 de novembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Por que morreu Kurt Cobain

CHARLES AARON
DA "SPIN"

Kurt Cobain se sentiu trapaceado por não ter tido sua chance de fracassar. Nasceu tarde demais para ser um verdadeiro punk, um fã de hardcore ou dos Beatles. Em vez disso, seus pais se divorciaram, o pai o espancou e ele abandonou o colégio.
Mas assim que conseguiu reunir sua banda, nos deu "Nevermind", uma resposta, intencional ou não, a "Never Mind the Bollocks", do Sex Pistols.
E mais de uma década depois dos Pistols, o Nirvana mostrou melhor que qualquer outro como foi patético o fracasso do punk.
Mas o que a reconfirmação da morte do punk pode oferecer a alguém nos anos 90? Será que os fãs de Cobain não vão usá-lo –um cara cheio de conflitos, com sérios problemas físicos e emocionais– como uma espécie de mártir espiritual?
Então veio "In Utero", ainda mais esmagador que "Nevermind". Soava como um disco de punk, onde Cobain parecia cortejar o suicídio como musa.
Então, quando o noticiário disse que o "poeta grunge" tinha engolido uma bala na garagem de casa, não fiquei chocado.
Naquele momento, Cobain era simplesmente outro artista que deixou emoções contraditórias entrarem em conflito em seu trabalho, e outro deles que não sobreviveu a isso.
Por causa de sua coragem artística e por ser tão confuso quanto seus fãs, ele terminou se sentindo responsável em ser a "voz de uma geração sem voz", uma bobagem que acaba sendo empurrada a qualquer um que tenha sensibilidade hoje em dia.
Puxado pelo vácuo espiritual dos EUA, ele se tornou "o Jesus pisciano tristonhozinho e incompreensivo", como sua mulher, Courtney Love, disse com ironia ao ler sua carta de suicídio.
Como o próprio Cobain disse: "Na metade do tempo sou um canalha niilista e outras vezes sou muito vulnerável e sincero. É mais ou menos assim que as músicas vêm... É assim que a maioria das pessoas da minha idade são. Eles são sarcásticos em um momento, carentes no outro."
No texto que acompanha o disco "Incesticide", Cobain proclama: "O punk rock (apesar de sagrado para alguns) está, para mim, morto. Nos só quisemos prestar uma homenagem a alguma coisa que nos ajudou a sentir como se já tivéssemos escalado o monte de merda conformista."
Talvez ele tenha tentado acreditar nisso, da mesma forma que precisava negar ser viciado em drogas porque "tinha responsabilidade para com os garotos". Mas para mim ele soava como punk verdadeiro assustado, tentando não se tornar um astro de rock benevolente, e fracassando.
Muitos fãs, como membros de uma família, ficaram bravos com Cobain por ele tê-los abandonado ou por ter sido fraco, etc, etc. Talvez alguns desses fãs se sintam bobos por terem confiado em um astro de rock e esperado que ele suportasse toda a pressão como se não fosse nada.
Talvez seja banal e brutal aceitar a origem de tudo –que ele estava doente, sofrendo e que uma linha trágica foi cruzada.
Kurt Cobain foi um artista que escreveu canções que expressaram suas emoções dolorosas e contraditórias. Tinha responsabilidades com sua arte, sua família, seus amigos. Seus fãs não eram sua família ou seus amigos.
A imagem mais forte que eu tenho de Cobain é do último show do Nirvana que vi, em novembro de 93. Em um palco grande, ele estava de frente a uma multidão, cantando e tocando melhor do que nunca, mas parecendo totalmente derrotado.
O lugar ficou uma bagunça quando tocaram "Smells Like Teen Spirit" e um monte de coisas voou para o palco –garrafas, botas, camisas de flanela. Cobain não se esquivou em nenhum momento, gritando como se estivesse envolvido em uma trama, um punk profissional.
A barreira entre artista e platéia era como como um muro de Berlim. Ele deve ter se sentido idiota por um dia ter tentado superá-la. Tivemos sorte de tê-lo tido por todo aquele tempo.

Texto Anterior: Amigos por carta substituem selos e envelopes pelo computador
Próximo Texto: Todo Beavis e todo Butt-head tem seu dia de Nelson Rubens
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.