São Paulo, quarta-feira, 30 de novembro de 1994
Próximo Texto | Índice

Livro reúne 71 contos de Rubem Fonseca

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

O melhor de Rubem Fonseca chega segunda-feira às livrarias de todo o país. Não é um novo romance, nem uma nova coletânea de histórias curtas, mas a coleção quase completa de seus contos. Uma "omnibus edition", como dizem os americanos, igual àquela que John Cheever fez por merecer, na década passada. A de Cheever ficou meses na lista dos best-sellers nos EUA. A de Rubem Fonseca –"Contos Reunidos" (777 páginas, tiragem inicial de 5.000 exemplares)– pode seguir o mesmo caminho.
"Faz tempo que a gente queria fazer isso, mas havia um certo temor em relação ao preço a ser repassado ao comprador", diz o editor Luis Schwarcz, da Companhia das Letras, que só tomou coragem para liberar o projeto depois da implantação do real. Considerando-se que o livro enfeixa os dez contos de "Prisioneiros", os oito de "A Coleira do Cão", os 19 de "Lucia McCartney", os 15 de "Feliz Ano Novo", os dez de "O Cobrador", os sete de "Romance Negro", e mais duas obras inéditas, "O Anão" e "Placebo", além de um ensaio do crítico Boris Schnaiderman, o preço é uma pechincha: R$ 33,00. Sobretudo por se tratar de uma edição em capa dura. Detalhe: a letra do título manuscrito na capa é a do próprio autor.
Corte
Antes que os privilegiados possuidores de "Prisioneiros" (edições GRD, 1963) aleguem que na primeira coletânea de contos de Rubem Fonseca havia 11, e não dez histórias, uma explicação: uma delas, "O Conformista Incorrigível", que ficava entre "225 Gramas" e "Teoria do Consumo Conspícuo", foi posta de lado. Oficialmente, a pedido do autor. Oficiosamente, por sugestão de Schnaiderman, que a teria considerado destoante.
Fantasia orwelliana sobre um estranho no ninho de uma distopia pautada pelas idéias psicocomportamentais de Erich Fromm e Norman Mailer, "O Conformista Incorrigível" talvez soe incomodamente ambígua a muitos leitores de hoje. É um conto menor, em mais de um sentido, nem por isso, a meu ver, descartável.
Organizador da compilação, Schnaiderman praticamente não teve o que fazer. Teria, caso optassem, ele e o autor, pelo mesmo esquema adotado por Julio Cortázar ao juntar seus "relatos" numa única lombada, 24 anos atrás. Em vez de compilar tudo em ordem cronológica, respeitando os títulos originais de cada agrupamento de "relatos", o escritor argentino preferiu dar novos títulos aos diferentes conjuntos de histórias. Na dúvida sobre como organizar os contos de Rubem Fonseca –se por afinidades temáticas ou estilísticas–, Schnaiderman escolheu a solução menos complicada. Os contos foram, mesmo, apenas reunidos. E na ordem em que foram publicados.
Violência
Em seu ensaio, posto estrategicamente no final do volume, para "não dar, de saída, determinada interpretação" e fomentar outras "possibilidades de leitura", Schnaiderman pega a ficção de Rubem Fonseca pelo seu nervo mais exposto: a mistura de violência e humanidade no íntimo de seus personagens. E também no ambiente em que transitam, o Rio que há muito se banha numa pororoca de barbárie e cultura.
Com o compasso dialógico do teórico russo Mikhail Bakhtin, fez as medições cabíveis no bas-fonds do escritor, onde dondocas ninfômanas e empresários canalhas convivem, promiscuamente, com assassinos que adoram bichos, torturadores com laivos de Madre Teresa de Calcutá e detetives que sabem de cor a poesia de Drummond. Um mundo de filme "noir", onde as coisas estão sempre pretas –manchadas de vermelho, a cor do sangue.
Para Schnaiderman, mais que o Dashiell Hammett carioca, Rubem Fonseca é o Dostoiévski do Rio. E, dependendo das circunstâncias, também o seu Dickens, o seu Balzac e o seu Victor Hugo.

Próximo Texto: Inéditos mostram prazer em humilhar burguesia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.