São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Sinal fechado

RICARDO FRANK SEMLER

Voltei, para cair no trânsito. A primeira reação foi a de culpar o Real, mas o buraco (tanto do Adhemar quanto do Jânio) é mais embaixo. Nossa rotina é bastante burra. Saímos de casa em direção a algum edifício, onde muitas das atividades nem requerem a presença física.
A quantidade de vendedores que passa na empresa antes de visitar os clientes e de gerentes que fazem no escritório tarefas que poderiam fazer em casa é pasmante. A organização do trabalho é atrasada e burocrática na maioria das empresas.
Em plena era da tecnologia, em que centenas de milhares de pessoas têm micros, modems e fácil acesso telefônico, perpetuamos uma insensata migração animalesca pelas poucas ruas da cidade. Ah, mas os gerentes querem ver seus funcionários de perto. Assim, trasladam-se corpos para um edifício onde se possa contar os presentes e punir os atrasados. A solução é o horário móvel.
Isto leva a obras constantes que, devido aos constantes erros de planejamento e atrasos de pagamento, acabam por prejudicar o fluxo de carros de maneira temporariamente permanente.
Como sempre há prefeitos, governadores e políticos locais que dependem de obras para suas mamatas, o círculo é vicioso, e os orçamentos são veloz e silenciosamente aprovados.
Quanto mais dinheiro vai em direção a obras, menos fica disponível para melhorar o transporte público, e portanto menos pessoas possuidoras de carro o usam. O metrô, que aqui custa várias vezes mais do que no Primeiro Mundo, por razões conhecidas, acaba vários quilômetros antes do que deveria.
Por último, e mais importante, não interessa mexer com o trânsito, já que, para empreiteiras e governantes pouco sérios, é mais uma pressão no sentido de aumentar as obras. Fica a impressão de que, uma vez acabada a ponte ou o túnel, tudo melhorará. De fato, apenas transfere o local do nó de trânsito e incentiva novas obras.
Há caminhos? Claro que sim. Exemplos: um banco de dados na prefeitura que receberia chamados de pessoas, indicando seu endereço e trajeto diário, que casasse este dado com outras pessoas com condição similar. É enorme o número de pessoas de formação e interesses parecidos que moram e trabalham perto de outros similares.
Outro caminho é dedicar faixas exclusivas em grandes avenidas a carros com duas ou mais pessoas, e mesmo ruas inteiras que ficam proibidas, em horário de pico, para automóveis que contenham apenas o motorista.
Também seria viável fechar um círculo em volta do centro da cidade a carros, criando um ônibus executivo contínuo a partir de megaestacionamentos ao redor do círculo. O mesmo valeria para estacionamentos verticais em estações de metrô nas extremidades das linhas. E voltar a ter mais ônibus circulando, já que o novo formato só fez os donos das frotas sorrirem de orelha a orelha, e os passageiros se apinharem.
É óbvio que todos terão opiniões diferentes sobre qualquer proposta, mas interessa, isto sim, perceber que não há motivação para este debate, uma vez que a obsessão por obras tem vantagens palpáveis e nós, os motoristas e usuários de transporte público, estamos sempre prontos a cair no conto-do-vigário de que o trânsito é culpa de excesso de carros, fazer o quê... Ora, ora, obra...

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