São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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De rabo preso com o leitor

MARCELO LEITE

Nos dois próximos domingos, a Folha dará duas passadas largas na corrida dos fascículos, com o lançamento de "Conhecer por Dentro" e "500 Receitas". A notícia foi estampada nos 1.461.431 exemplares do dia 27 passado, mas o texto não explicava que um passo será maior do que o outro, o que muita gente vai enxergar como uma mancada: metade dos leitores não vai sentir nem o cheiro das "500 Receitas".
Esta coleção será encartada na Revista da Folha, que só circula na Grande São Paulo, no litoral paulista e em oito capitais: Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife e Fortaleza. Isto corresponde a uma tiragem de 960 mil exemplares.
Os fascículos culinários serão no entanto encartados apenas nos exemplares da revista destinados à Grande São Paulo. Litoral e as oito capitais ficarão de fora –além, claro, de assinantes e compradores que nunca receberam a revista. Por exemplo, no interior do Estado.
Nas últimas duas semanas, depois que começaram a sair na Folha anúncios sobre o lançamento, sete leitores já ligaram ou escreveram ao ombudsman para protestar contra o que consideram –com razão– uma "discriminação". O motivo para afrontar centenas de milhares de leitores é o previsível: custos.
Não sou ombudsman de toda a empresa, somente da Redação da Folha, portanto não me compete examinar essa intrigante decisão empresarial. Ocorre que os fascículos são também propagandeados como uma forma de adensar o valor do produto jornal. Ou seja, obras como o Atlas "Folha/The New York Times" e o dicionário "Folha/Aurélio" agregariam a ele bens culturais similares, não qualquer brindezinho para aumentar a circulação.
Deste ângulo, a pergunta que se impõe é: o que justifica melhorar o produto somente para uma parte da clientela?
Confesso que não sei a resposta, mas a Folha terá de oferecê-las a seus leitores mais cedo ou mais tarde. Caso contrário, estará correndo o risco para o qual alertei na coluna de 16 de outubro (em que foi comentado o desastre com papel de imprensa na edição dominical anterior). A saber, o de que fascículos terminem sendo vistos por muitos leitores como uma fonte de problemas e não de satisfação.

Não foi porém o único caso de transtorno envolvendo a revista. O reparte discriminatório da coleção "500 Receitas" representou algo como uma ofensa acrescida ao golpe, como entenderam muitos leitores.
A Revista da Folha dividiu-se a 16 de outubro em duas edições, São Paulo e Nacional. Foi a solução encontrada para manter passo com o salto de tiragem do jornal: amputar todas as páginas de roteiro –bares, restaurantes etc.– dos exemplares enviados para fora do município de São Paulo. No dia de hoje, isto representa uma diferença de 80 páginas (32 na Nacional e 112 na São Paulo, um recorde favorecido pela proximidade do Natal).
Ao mesmo tempo, a revista passava a circular nas capitais mencionadas. Por outro lado, todos os leitores que já recebiam a revista fora da cidade de São Paulo passaram a ficar sem o roteiro.
Neste caso, também, a decisão –igualmente polêmica– foi condicionada pela necessidade de conter o consumo de papel. Não há outra explicação plausível. Parece óbvio que os moradores do ABCD, Alphaville ou Granja Viana não deixaram da noite para o dia de ser consumidores dos bens e serviços paulistanos relacionados no roteiro.
Os leitores, como não poderia deixar de ser, reagiram com indignação. Um deles disse que se sentia "traído". Só nas últimas duas semanas foram sete reclamações ao ombudsman, a maioria ponderando que tinha assinado a Folha com uma outra revista. Uma questão, portanto, de direito adquirido. No meu entender, estão cobertos de razão.
Para essas pessoas, tenho certeza, a "eleição" de um novo slogan para o jornal proposta em anúncios na própria Folha deve soar como uma piada de mau gosto. Afinal, todas as três opções grandiloquentes oferecidas não combinam com o tratamento que vêm recebendo: "O maior jornal do Hemisfério"; "O 3º maior jornal das Américas"; "O 3º maior jornal do Ocidente".
Se lhes fosse concedida uma chance real de escolha, acredito que prefeririam fórmulas de sabor mais antigo, como "Um bom jornal todos os dias", ou "De rabo preso com o leitor".

Uma queixa comum entre leitores que procuram o ombudsman se refere à quantidade de anúncios do jornal, que na sua opinião tomam espaço de reportagens e notícias. Com a crise de fornecimento de papel enfrentada pela Folha em outubro e o consequente enxugamento drástico do jornal, as reclamações desse teor aumentaram sensivelmente.
Pedi à Secretaria de Redação alguns números para poder discutir esse ponto mais objetivamente com os leitores. Recebi uma resposta até certo ponto surpreendente: até final de outubro, a participação percentual da Redação no espaço total da Folha em 1994 era de 53,93%.
Em outras palavras, a parte do leão. Para comparação, os dados de dois diários de grande prestígio nos Estados Unidos: "The New York Times", 55%; "Los Angeles Times", 54%.
Naturalmente, esse percentual sofre grande oscilação sazonal. Em janeiro, mês fraco para publicidade, alcançou 60,96% (na Folha). Flutuou entre 52% e 58% até julho (58,10%), o mês do Plano Real, quando começou a cair, até bater em 47,91% em outubro.
Ou seja, seis pontos percentuais abaixo da média acumulada no ano. Não estavam portanto de todo enganados os leitores que viram no estrondoso aumento de tiragem a partir de agosto (leia-se: fascículos) a causa da diminuição relativa da quantidade de informações jornalísticas na Folha.

Esta coluna traz hoje (veja quadro) meu primeiro balancete como ombudsman. Pretendo apresentar essas informações numéricas de dois em dois meses e não mensalmente, como faziam meus antecessores. A idéia da mudança é tentar contrabalançar um pouco o efeito de certas sazonalidades, como diriam economistas –eventos como a troca de ombudsman e feriados de Natal, por exemplo.
Da data em que assumi o posto, em 28 de setembro, até 28 de novembro, foram 1.483 leitores atendidos. Neste caso, quantidade não é certamente qualidade: reclamações demais significam que o jornal está com problemas e que o ombudsman terá menos tempo para examinar a queixa de cada leitor (30 por dia útil).
Há também embutida nessa cifra uma distorção importante: cerca de um terço das reclamações a rigor não deveriam ser dirigidas ao ombudsman. Trata-se das 477 queixas relacionadas com problemas de assinaturas, como falha na entrega de jornais, atraso no envio de brindes etc.
Por seu caráter mais administrativo do que jornalístico, essas questões teriam de ser resolvidas pelo Serviço de Atendimento ao Assinante (SAA). Como este andou sobrecarregado, em função do vertiginoso aumento de tiragem, ocorreu o desvio inevitável de função.
Com a recente ampliação desse serviço, a expectativa é de que o ombudsman possa dedicar-se mais a seu verdadeiro papel: zelar pela precisão, equidade e qualidade do noticiário.

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