São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Economista critica Real e polemiza com FHC

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Um debate inusitado entre o economista Paulo Nogueira Batista Jr., ligado ao PT, e o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quebrou a rotina da primeira sessão de ontem do seminário internacional com mais de 60 intelectuais, que se realizou no Itamaraty, em Brasília.
Nogueira Jr. deixou de lado as formalidades que até então marcavam as intervenções e criticou a condução do Plano Real.
"Todos vocês sabem que o debate brasileiro sobre a estabilização estabeleceu uma polarização duvidosa entre âncora monetária e âncora cambial. Os tucanos, tipicamente indecisos, escolheram as duas e isso é preocupante", disse.
A crítica de Batista Jr. se refere a uma espécie de consenso entre os economistas de que é impossível combater a inflação pelo controle do valor do dólar (âncora cambial) e pelo controle da quantidade de dinheiro na economia (âncora monetária) ao mesmo tempo.
Avançando na crítica, Nogueira Batista disse que o Brasil viveu nos últimos cinco meses uma valorização do real que não tem precedentes desde a década de 60.
Isso, combinado com uma abertura comercial agressiva, "faz com que as empresas brasileiras estejam em condições muito desiguais no cenário internacional".
Fazendo um discurso que agrada aos exportadores, Nogueira Batista Jr. alertou que a atual política cambial pode levar a uma crise de "dimensões perigosas", lembrando que assessores da própria equipe econômica têm dito que o Brasil precisa se preparar para um possível déficit na balança comercial. "Este seria da ordem de 4% do PIB", concluiu.
Ao encerrar o encontro pela manhã, FHC rebateu as críticas. Fez alusão a certas pessoas que, apesar de "terem o coração do lado esquerdo", sustentam um debate que é "pateticamente anacrônico" e nunca encararam de frente a importância do processo de estabilização. O argumento foi o mesmo que FHC usou durante a campanha eleitoral contra o PT.
Tornando mais claro seu recado a Nogueira Batista Jr., o presidente eleito foi ao ponto.
"Quero lembrar o meu amigo Paulo Nogueira Batista que a hipótese que ele levantou não vai ocorrer. Esse desequilíbrio entre importação e exportação que causaria esse déficit enorme daqui a pouco sai na imprensa como se fosse verdade" , disse FHC.
"Isso aqui é uma sociedade complexa e os interesses se organizam, impedindo as loucuras dos economistas", ironizou o presidente eleito, arrancando risos de todos os presentes.
Com a tirada bem-humorada, o clima do encontro foi desanuviado depois de passar por momentos de tensão. Um dos tucanos presentes comentou reservadamente que FHC havia reestabelecido "o consenso de Brasília".
"Sei que sem os economistas o governo é impossível, mas, como eles muitas vezes não têm experiência política, formulam e formulam algo que não tem consistência. Não discuto idéias que não têm sentido prático", concluiu FHC.
Até a polêmica entre Nogueira Batista e FHC, o debate havia sido excessivamente técnico, chegando a provocar enfado nos convidados não-economistas.
A palestra de abertura da sessão, intitulada "Estabilização, Crescimento e Política Industrial na América Latina", foi feita pelo economista argentino Roberto Frenkel, um dos autores do plano Austral em seu país.
Frenkel discorreu sobre o que chamou de "difícil transição" entre a estabilização e a retomada do desenvolvimento auto-sustentado.
Debateram com Frenkel, entre outros, Alejandro Foxley, presidente do Partido Democrata-Cristão do Chile, Antônio Barros de Castro, ex-presidente do BNDES, Colin Bradford, economista do Bureau de Coordenação de Programas e Políticas Públicas de Washington, Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Felix Pe¤a, ex-subsecretário de Assuntos de Integração Econômica da Argentina, Paulo Renato de Souza, coordenador do programa de governo de Fernando Henrique Cardoso.
Reunião
FHC encontrou tempo para uma reunião reservada com o economista-chefe do FMI, Stanley Fischer. Amigo pessoal do presidente do BC, Pedro Malan, Fischer tem sido consultado informalmente pela equipe econômica sobre as futuras medidas para a consolidação do Real.

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