São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Especialistas denunciam onda "neopaternalista"

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

No intervalo de uma semana, em novembro, quatro episódios isolados, mas vistos em conjunto, mostraram o tamanho da onda neoconservadora que atinge São Paulo, avaliam especialistas de diferentes áreas ouvidos pela Folha.
Resumindo:
Um menino de seis anos foi impedido de usar brinco em um colégio na zona oeste da cidade.
Um empresário foi interpelado por policiais ao fazer cooper de sunga no parque Ibirapuera.
Um garoto de 14 anos foi rejeitado num colégio na zona leste por usar cabelo comprido.
Dois grupos de rap foram detidos pela polícia enquanto cantavam músicas de protesto durante show no vale do Anhangabaú.
Um dos primeiros a estranhar essa sucessão de fatos foi um estrangeiro, o escritor português Miguel Esteves Cardoso, que visitava São Paulo na semana passada.
Nesta sua terceira viagem ao Brasil, Cardoso se surpreendeu primeiro com uma "sinistra" novidade: a lei municipal que instituiu a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança em São Paulo.
"Este é o primeiro sinal de restrição às liberdades individuais. Em Portugal, também começou assim, há dois anos. Na semana passada, no meu país, fizeram uma lei que obriga o uso do cinto no banco de trás", diz Cardoso.
Autor do romance "O Amor É Fodido", que veio lançar em São Paulo na Feira do Livro Português, Cardoso, 39, prefere chamar a onda neoconservadora de "neopaternalista".
"Hoje o Estado me obriga a usar cinto de segurança. Amanhã, vai me obrigar a fazer ginástica e me proibir de comer gordura, o que seria bom para o corpo, mas péssimo para as instituições. Se não usar o cinto, só vou causar mal a mim mesmo", diz.
Como Cardoso, o advogado Celso Bastos, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, também vê sinais de uma onda neopaternalista.
"Há uma idéia muito forte, e nada moderna, de que a sociedade deve ser liderada por alguém que sabe alguma coisa porque a sociedade não saberia nada", diz.
Diante dos fatos ocorridos recentemente em São Paulo, Bastos, 56, observa que "o paternalismo está se espraiando para fora da esfera do governo".
No caso do brinco, porém, o advogado ressalva: "Há 30 anos, era mais nítida a oposição entre liberais e conservadores. Hoje, muita gente hoje usa brinco por modismo e não para contestar valores".
Para o psicólogo Marcos Ribeiro, autor do best-seller infantil "Menino Brinca de Boneca?", é preocupante que um colégio restrinja o uso de adornos, como brincos, ou o corte de cabelo dos meninos. "Isso é preconceito das escolas", diz.
Ribeiro, 30, é coordenador do Cedus (Centro de Educação Sexual), uma organização não-governamental que está implantando um programa de educação sexual nas escolas municipais do Rio.
"A seis anos do fim do século, quando uma escola proíbe brinco ou rabo-de-cavalo, você deve se perguntar: Será que essa escola não está deixando de se preocupar com coisas mais importantes?"
Vítima direta da onda neoconservadora, o cantor de rap Big Richard, 21, está assustado. "Agora virou moda. A polícia chega lá e leva o cara. Da próxima vez, não sei se ele vai preso ou se vai para a vala", exagera.
Big Richard foi detido no dia 15 de outubro, enquanto cantava "Homens da Lei", uma música que diz: "Sempre, sendo por eles perseguidos, nos dão porrada sem que haja motivos, espalham terror, da zona sul até a baixada".
No último dia 26 de novembro, seus colegas dos grupos Racionais MC's e RMN foram detidos por cantarem músicas com teores semelhantes. "Se o Estado acha que a música é pesada, eles têm que entrar na Justiça e me processar, e não fazer justiça com as próprias mãos", critica Big Richard.
O rapper acha que a sua música é "revolucionária" e, por isso, está provocando reações conservadoras. "Seria ilusão querer mudar o mundo com a minha música, mas posso ensinar alguma coisa, como, por exemplo, que Nelson Mandela, Zumbi e a escrava Anastácianão são apenas santos de macumba", diz.

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