São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Combinação inadequada de juros e câmbio

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

A atual combinação de taxa de juros elevada e taxa de câmbio apreciada pode levar a problemas sérios. Vamos enfocar a questão.
A taxa de câmbio do Real está desalinhada. Por qualquer conceito de cálculo de taxa de câmbio real, usando diferentes deflatores e bases, os índices acusam uma apreciação real (isto é, descontada a inflação) de cerca de 25% em relação à média de 1991.
O gráfico que acompanha o texto mostra uma série para a taxa de câmbio real do Brasil, usando preços por atacado no país e em um conjunto dos dez principais parceiros comerciais no exterior (os países são Alemanha, Argentina, Chile, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão e México). Os pesos para cada país são as participações no comércio exterior do Brasil em 1993, para refletir a realidade do maior comércio com parceiros latino-americanos.
A apreciação da taxa de câmbio nos últimos meses não se deve a um grande ganho de competitividade externa do país ou a fatores mais estruturais da economia, que sejam mais duradouros. Deve-se, como já se comentou nesse espaço duas ou três vezes, ao grande diferencial entre a taxa de juros doméstica e as taxas de juros do exterior.
Esse diferencial, por sua vez, é um dos "nós" do plano econômico. Como se optou por não equacionar o problema dos fundos de curto prazo, o governo fica preso na armadilha de ter de pagar juros elevados para manter o dinheiro aplicado e não ter de expandir a base monetária. Só que com um diferencial de juros elevado, entra uma enxurrada de capital externo e o suposto "controle" da moeda vai para o espaço (aliás, vai mesmo sem esse fluxo pois a moeda indexada segue crescendo e também bate no consumo).
O governo foi alertado disso antes do lançamento do Real. E segue alertado que tentar resolver esse problema deixando a taxa de câmbio flutuar numa banda cambial, que permitiria uma desvalorização do câmbio nominal acompanhando a inflação, também não vai resolver o problema.
Vamos enfocar um pouco a entrada de recursos externos. Cita-se no país o caso da China, que recebeu investimentos externos de US$ 35 bilhões em 1993. Estaríamos felizes se a entrada de recursos no Brasil imitasse a China pois lá trata-se de investimento de risco, na abertura de fábricas e em infra-estrutura.
Recentemente assisti a um par de conferências do Dwight Perkins, um dos principais especialistas ocidentais sobre a China e atual diretor do Instituto de Harvard para o Desenvolvimento (HIID). Como o Perkins explica, esse fenomenal fluxo deve-se, em sua grande parte, aos investimentos diretos que a comunidade de ex-chineses de Hong-Kong, Taiwan, Singapura e costa leste americana está fazendo na China. Não se vê no horizonte um processo semelhante de investimento externo, nessa escala, para o Brasil.
O BC brasileiro informa oficialmente que a captação de recursos externos do país registrou um influxo de US$ 17,8 bilhões em 1992, sendo que desse total só US$ 1,3 bilhão foi de investimento direto (líquido). Em 1993, a captação externa foi de US$ 32,7 bilhões; dos quais só US$ 877 milhões em investimentos. De janeiro a agosto de 1994, o fluxo de capitais foi de US$ 27,0 bilhões, sendo US$ 1,6 bilhão de investimento direto.
A média de investimento direto no país em 1993-94 ainda está abaixo do valor real dessas inversões no fim dos anos 70. E isso por duas razões: uma, o risco de instabilidade macroeconômica ainda existe e, segundo, o Brasil ainda não voltou a crescer para valer (quando então os investimentos voltarão).
Por outro lado, a conta corrente não merece um choque. A conta corrente, isto é, a soma do saldo comercial com a conta de serviços e as transferências unilaterais, foi negativa em US$ 637 milhões em 1993 e, provavelmente, deve apresentar um pequeno saldo em 1994.
Quando um país tem diante de si um aumento da oferta de poupança externa, o correto é absorver uma parte dos recursos deixando a conta corrente ficar negativa. No caso brasileiro, uma meta prudente seria diminuir o saldo comercial para algo como US$ 6/7 bilhões por ano.
Essa meta não é difícil de alcançar. Bastaria a demanda interna crescer um pouco mais e liberalizar as importações que o saldo comercial tenderia rapidinho para valores como os mencionados.
No entanto, está se optando pela alternativa mais problemática: a de apreciar o câmbio, junto com liberalização das importações. Na maioria das vezes, quando isso ocorre, o processo acaba sendo abortado, ou parando a liberalização, ou desvalorizando o câmbio (ou as duas).
Um dos argumentos que motiva o governo a manter a taxa de câmbio apreciada (ainda que venha a permitir sua flutuação em uma banda, basicamente procuraria manter a atual taxa real) relaciona-se com o suposto papel da "âncora cambial". Pensa-se, erradamente, que o papel da âncora cambial é conter a elevação dos preços pela via direta do comércio exterior.
Mas o que os modelos dinâmicos de hiperinflação mostram é que o único papel teoricamente sólido e conceitualmente justificado em modelos analíticos é o de conferir previsibilidade à política monetária. Quando esse elemento não está presente, esqueça-se a discussão da "âncora". Tenho trabalhado nessa temática junto com Jeffrey Sachs e esse é um dos resultados importantes a que chegamos.
Concluindo essas considerações, a combinação de política de juros com a política cambial está mal equacionada. Não vale a pena levar parte da indústria nacional a uma situação de "corner" para, depois que passar a euforia dos fluxos especulativos, ficar com a conta na mão.
PS. A indicação de Pedro Malan e de Pérsio Arida para conduzir a política econômica de 1995 é boa. Os dois são economistas dignos e pessoas de bem. Mas segue também um alerta: em 1986, errou-se por não se ter controle do lado monetário. Pode-se desculpar o Cruzado por ignorância. Contudo, errar outra vez com o Real, vai ser por teimosia.

ÁLVARO A. ZINI JR., 41, é professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da USP e autor do livro "Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil" (Editora da USP). Atualmente, é professor visitante na Universidade de Harvard (EUA).

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