São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Modernizar o Congresso

ANTONIO KANDIR

Olhando-se algumas das principais instituições que compõem a sociedade brasileira, percebe-se um ritmo de modernização bastante desigual. O grupo que mais tem avançado nesta direção é o das empresas privadas, em resposta às políticas de competição lançadas ao início dos anos 90 (notadamente a abertura econômica), a instrumentos legais (como o Código de Defesa do Consumidor) e à crescente consciência do público de seu poder e direitos no campo da aquisição de bens e serviços.
De modo progressivo, as empresas privadas assimilam a noção de que sua capacidade de competir será tão maior quão mais previsível, confiável e transparente forem as relações com seus clientes.
Para tanto, têm-se empenhado em processos importantes de reorganização interna, não apenas para aumentar a eficiência de seus processos produtivos, como também para estruturar serviços de atendimento a demandas do consumidor que, no geral, não são apenas "para inglês ver".
No campo da política, as mudanças, ainda que mais lentas e contraditórias, também vêm ocorrendo. Alguns executivos municipais deram exemplos notáveis de avanços nessa direção, buscando estabelecer mecanismos de participação da clientela na gestão e controle dos serviços públicos locais, experiência que, embora com problemas, merece ser aprofundada.
Quanto aos executivos estaduais e federais, a maior complexidade e extensão de suas burocracias, para não falar na maior abrangência de suas jurisdições, tende a tornar mais complicadas as iniciativas de torná-las mais transparentes, mais ajustadas às necessidades variadas da clientela.
Cientes da necessidade de enfrentar o problema, o presidente da República e alguns governadores eleitos, notadamente Mário Covas, têm insistido na tecla de promover reformas administrativas de profundidade que permitam, progressivamente, redefinir relações arcaicas entre provedores e clientela de serviços públicos.
E o Congresso Nacional, como fica frente a esse processo de mudança? No quesito "transparência", até que o Congresso não se sai mal. Poucas instituições são mais abertas ao olhar do público e à investigação da mídia. Ocorre que isso não tem sido suficiente para fazer com que o Congresso cumpra papel à altura de suas responsabilidades.
É preciso reconhecer que Câmara e Senado continuam a ser arcaicos no modo pelo qual se organizam e funcionam. Para quem chega ao Legislativo com forte ânimo de mudança, trata-se de ajudar a colocar o Congresso em compasso com a modernização das várias instituições brasileiras.
Um princípio elementar de reorganização institucional me parece ser a fixação antecipada de um plano de trabalho, de uma pauta, estabelecida periodicamente, que indique os assuntos relevantes a serem tratados e a ordem em que serão tratados. Uma espécie de programação que compreenda um certo período de tempo.
Ainda que não seja rígida, havendo espaço para modificações inerentes à dinâmica política, uma pauta de assuntos preestabelecida, com ordem determinada de apreciação, seria um importante passo à frente para aumentar a eficiência dos trabalhos legislativos e o controle da sociedade sobre as decisões do Congresso.
Além de imprimir certa disciplina aos trabalhos legislativos, obrigando os congressistas a negociar e fixar prioridades, a pauta preestabelecida permitiria que a sociedade e grupos de pressão (instituição legítima, cuja atuação no Congresso é preciso regulamentar para tornar pública) estivessem atentos às decisões-chave do Poder Legislativo.
Sem isso, a transparência do Congresso permanecerá restrita a alguns momentos e tópicos, os de maior atratividade para a mídia, e seu funcionamento continuará a pautar-se por um misto de improvisação e esperteza que há muito vem-lhe custando o descrédito da população e do eleitorado.

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