São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Balança comercial retoma déficit de final dos anos 70

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A desvalorização do dólar frente o real está transformando o Brasil exportador em um país que importa mais do que vende lá fora.
O sinal dessa guinada foi o saldo financeiro negativo das compras e vendas externas durante o mês de novembro.
Segundo dados do sistema financeiro e do Banco Central, o Brasil remeteu ao exterior US$ 617,8 milhões a mais do que recebeu em dólares pelas exportações que realizou em novembro.
Há quatro anos e meio que o Brasil não tinha resultados negativos nessa conta.
Como tendência para a balança comercial, ela não se revela desde o final dos anos 70, quando os déficits prenunciaram a funesta "crise da dívida", que se abateu sobre o país com toda a força em 1982. Durante o Plano Cruzado, movimento idêntico se esboçou, sem vida longa –durou o último trimestre de 86 e o primeiro mês de 87.
Agora, a situação é outra: o déficit comercial deve aparecer em novembro ou um pouco depois. Diferente do alerta do término dos 70, o sinal negativo que surgirá na contabilidade dos produtos que entram e deixam o país é um programa de governo.
O rumo das mercadorias se inverteu após superávits mensais sucessivos, anos a fio. A política da valorização cambial, recebida com surpresa, lentamente se abateu sobre várias empresas exportadoras.
Em alguns setores, como autopeças, alimentos industrializados, calçados, siderúrgico e componentes para eletrodomésticos, a defasagem atual de 14,30% do dólar frente o real traz ameaças à produção e ao emprego.
"Perdemos muito dinheiro nos últimos meses com o câmbio. É uma situação complicadíssima", diz Hugo Miguel Etchenique, presidente do grupo Brasmotor (que controla a Brastemp, Consul, Semer e Embraco e é lider no mercado brasileiro na "linha branca").
A Embraco fabrica compressores para geladeiras e exporta 70% de sua produção (de 10 milhões de unidades/ano). Detém 12% do mercado mundial.
A Sadia, entre as líderes em alimentos industrializados, deve reduzir a produção de produtos exportáveis devido à falta de lucratividade nos negócios.
"Estamos revendo nossos planos de produção para adequá-los à perda de rentabilidade", diz Luiz Furlan, presidente do conselho de administração da Sadia.
"Perdemos empregos, produção, mercado externo e abrimos espaço no país para os importados", diz Paulo Butori, presidente do Sindipeças, que reúne as empresas de autopeças.
Nos últimos meses, apesar da produção recorde da indústria automobilística, diz, as taxas de emprego do setor caíram acompanhando as exportações.
As montadoras, afirma, estão sendo supridas pelos importados, que passaram de US$ 1,4 bilhão em 93 para US$ 2 bilhões em 94.
Pratini de Moraes, presidente da AEB, que reúne os empresários do comércio exterior, diz que o governo pode ser surpreendido com déficits acima do esperado.
Segundo ele, o país só está exportando, em grande quantidade, commodities como café (+91% sobre 93), açúcar (+43%) e soja (+37,5%).
"Essas exportações vão bem, ao contrário dos industrializados, porque os preços das commodities estão altos no exterior. Mas devem começar a cair em breve", diz.
É consenso entre estes empresários que aumentar as importações é recomendável para tornar o país competitivo. O problema é se estaria usando a valorização cambial apenas como principal arma contra a inflação.

Texto Anterior: O fim da cumplicidade
Próximo Texto: Importação supera exportação
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.