São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Por mais um período

As Forças Armadas dizem que querem abandonar a operação de combate ao crime no Rio. Temem que uma exposição mais prolongada das tropas leve a um desgaste da imagem da instituição. Setores da sociedade civil, o próprio governo eleito do Estado e a população, entretanto, pedem que o Exército permaneça ainda por algum tempo.
É evidente que, para as Forças Armadas, é muito melhor permanecer sob o clamor da população do que por um movimento inercial qualquer. Assim, não se pode descartar a possibilidade de que as declarações de militares no sentido de que a operação deva ser suspensa façam parte de uma estratégia para reforçar o apoio à missão.
De resto, embora os oficiais envolvidos na ação possam e devam ser ouvidos, convém lembrar que os militares não agem se e quando desejam, mas estão subordinados aos poderes constitucionais.
Também parece fraco o argumento de que as Forças Armadas já teriam cumprido sua missão no Rio, tendo tornado visível a presença do Estado. Ora a presença do poder público é algo bastante mais amplo do que alguns militares ocupando por algumas horas posições estratégicas de alguns morros.
O que o Exército conseguiu até agora –e não é pouco– foi um efeito psicológico. Quebrou-se o tabu de que nas favelas quem manda é a delinquência. De alguma forma, a presença do Exército no Rio deu à população uma sensação de segurança que há muito não experimentava, o que ajuda a explicar o maciço apoio dos cariocas à operação, detectado em pesquisa Datafolha publicada no último domingo.
Os militares estão certos, porém, ao temer uma participação muito direta ou prolongada no combate ao crime. É evidente que, no longo prazo, a questão da violência no Rio só será equacionada quando se resolverem os terríveis problemas econômicos da cidade e quando o Estado estiver efetivamente fincado nos morros e favelas. Nos médio e curto prazos, entretanto, a ação deve ser centrada na depuração dos quadros das polícias do Rio, que não só não são capazes de fazer frente à delinquência, como também, em muitos casos, frequentam os QGs dos bandidos.
Não renovar o convênio entre os governos federal e estadual que expira no próximo dia 30 seria privar o próximo governador fluminense do oxigênio de que ele necessita para tentar limpar a polícia.
Assim, é conveniente que as Forças Armadas permaneçam no comando das operações por mais um período. Esse período deverá ser de novo breve, com data previamente estabelecida para terminar, mas renovável se houver interesse das partes: os futuros governos federal e fluminense.
Não se pode admitir, entretanto, que se repitam as cenas explícitas de violação das liberdades e garantias fundamentais. O Exército pode e deve agir, mas com respeito à integridade física de suspeitos, sem limitar o trabalho da imprensa e sem invadir casas sem mandado judicial. Dos agentes incumbidos de manter a lei, espera-se que cumpram ao menos a parte mais importante da Lei Maior.

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