São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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Collor, crime e agenda

Dois anos depois de ter sido punido por um crime político (falta de decoro no exercício do cargo), o ex-presidente Fernando Collor vai, na quarta-feira, a julgamento sob a acusação de crime comum.
Se o resultado do primeiro julgamento parece ter sido endossado maciçamente pela sociedade, o desfecho do segundo processo é mais complexo. Provar falta de decoro não foi difícil, dada a abundância de evidências disponíveis.
Já provar criminalmente a corrupção é uma tarefa eminentemente técnica, que cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar.
De todo modo, o tempo transcorrido entre o afastamento de Collor e seu julgamento criminal permite que se faça uma avaliação menos apaixonada de seu período.
Em primeiro lugar, é de se destacar o fato de que Collor acabou por ser o responsável, claro que à sua inteira revelia, por uma saudável mobilização da cidadania. A sociedade julgou o presidente nas ruas antes de que seus representantes no Congresso o fizessem.
Mas o ponto mais delicado para avaliar o período Collor refere-se à sua contribuição (ou não) para uma mudança no que se deu por chamar de "agenda nacional".
Muitos defendem a tese de que Collor introduziu no país uma nova agenda, composta, na sua essência, pela pregação da redução do Estado e da abertura e, por extensão, modernização da economia.
O mais lógico, porém, é reconhecer que Collor não foi o agente da mudança, mas seu instrumento. O mundo inteiro já debatia e até implementava a nova agenda, inclusive a América Latina.
Mário Vargas Llosa, no Peru, e Carlos Saúl Menem, na Argentina, candidatos no mesmo 1989 em que Collor explodiu nacionalmente, são uma demonstração inequívoca.
Mesmo no Brasil, a nova agenda era tema, por exemplo, de uma constante pregação do então ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega. Mas o ex-ministro fazia parte de um governo moribundo, o que impedia sua palavra de ganhar força. O mérito de Collor foi, exatamente, o de executar um marketing mais eficaz que outras personalidades.
Independentemente do juízo de valor que se faça sobre a agenda, é indispensável reconhecer que a velocidade com que se move o mundo tornou-a insuficiente.
Hoje, até os mais notórios conservadores reconhecem a insuficiência das reformas econômicas de cunho liberal. Veja-se, a propósito, relatório sobre a economia dos EUA divulgado na semana passada pela OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, o clube dos 25 países mais industrializados do mundo). Depois de reconhecer sinais positivos na principal economia do planeta, a OCDE adverte que ela só será de fato segura quando se reduzirem as desigualdades sociais.
Antes disso, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento havia batido na mesma tecla, em seu relatório sobre o crescimento da economia latino-americana em 1993. "Crescimento econômico e modernização não parecem sustentáveis na ausência de estabilidade política e social, a qual, por sua vez, dependerá de uma mais equitativa distribuição dos benefícios de tal crescimento", dizia o relatório.
Parece disseminado o reconhecimento de que reformas liberalizantes, embora constituam um pré-requisito para uma economia mais eficiente, não bastam. Uma nova agenda inclui, obrigatoriamente, o ataque às desigualdades sociais.
No caso do Brasil, um dos piores países do mundo em distribuição de renda, essa evidência é ainda mais óbvia. Não resta dúvida de que é preciso modernizar a economia, mas é ainda mais necessário resgatar a sua dívida social.

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