São Paulo, domingo, 4 de dezembro de 1994
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O deputado é quase um fantasma

ANDRÉ FRANCO MONTORO

O atual sistema eleitoral para escolha dos deputados (exclusivamente proporcional) apresenta três inconvenientes principais: favorece o abuso do poder econômico, dificulta a vinculação entre o deputado e seus eleitores e enfraquece os partidos, porque provoca a divisão e a luta interna entre todos os seus candidatos.
O abuso do poder econômico é patente e escandaloso. E vem sendo denunciado em todas as eleições. O candidato que disponha de elevados recursos financeiros tem grandes facilidades para se eleger. Pode organizar e custear comitês de campanha em todos os municípios do Estado (são mais de 600 em São Paulo e de 700 em Minas Gerais). Se obtiver cem votos em cada município, estará eleito pela máquina que montou. Os eleitores não o conhecem. Ele é quase um fantasma. Foi eleito pelo dinheiro que gastou.
Poder-se-á objetar que, numa área menor, o poder econômico será maior. Não é verdade. Num distrito menor, a concentração do poder econômico torna-se visível. E o eleitor poderá distinguir claramente os candidatos do dinheiro e as lideranças locais.
Outro inconveniente do sistema atual é o distanciamento entre o deputado e o eleitor. E, o mais grave, sua desvinculação com qualquer região. Eleito por muitas ou por todas as regiões do Estado, o parlamentar não fica vinculado a nenhuma. Como resultado, muitas regiões ficam frequentemente sem representantes, porque nenhum candidato local conseguiu se eleger.
O sistema atual também enfraquece os partidos. A campanha para deputado se transforma numa luta implacável entre os candidatos do mesmo partido. Todo candidato é adversário dos demais em todas as urnas. Isto quebra a coesão e unidade partidárias. Neste sentido, o sistema eleitoral vigente presta um desserviço à democracia, porque a unidade e o fortalecimento dos partidos são essenciais à vida democrática.
Como corrigir este sistema?
Uma proposta possível, vigente em muitos países, é a do voto distrital puro ou exclusivamente distrital. Todos os deputados são eleitos pelos respectivos distritos eleitorais. Este sistema tem sido criticado porque leva à eleição de candidatos exclusivamente regionais, preocupados com os problemas locais, em prejuízo da eleição de lideranças nacionais e de personalidades de alta capacitação, que não têm base regional.
Para corrigir os defeitos apontados, a solução adotada na Alemanha e em outros países democráticos é o sistema distrital misto. Segundo este sistema, o processo pode ser assim resumido:
1) Cada Estado será dividido em distritos, em número igual à metade ou outra proporção do número de deputados a serem eleitos;
2) Os partidos apresentarão um candidato para cada distrito e uma lista partidária, para todo o Estado, aprovada em convenção e indicando os candidatos do partido em ordem de preferência;
3) O eleitor disporá de dois votos: o primeiro, atribuído a um dos candidatos do distrito, assinalando um nome; e o outro a uma das listas partidárias, assinalando uma legenda;
4) Metade ou outra proporção dos lugares será preenchida pelos mais votados de cada distrito;
5) Outra parte será preenchida pelas listas partidárias, proporcionalmente à votação obtida pela legenda, sendo considerados eleitos os candidatos na ordem em que figuram na lista.
Os benefícios deste sistema –ao mesmo tempo proporcional e distrital– são patentes. Evita o abuso do poder econômico, pois reduz o custo das campanhas e facilita a fiscalização dos excessos. Aumenta a vinculação dos deputados com as populações locais, obrigando-os a manter contato permanente com suas bases, especialmente fora do período eleitoral.
Assegura a todas as regiões a eleição de um representante e a oportunidade de acompanhar mais ativamente as decisões do governo. Fortalece os partidos, pois evita a disputa interna e une os militantes em torno de uma mesma chapa e um mesmo programa.
Prestigia a convenção partidária e estimula a escolha de lideranças nacionais e personalidades de alta capacitação. Eleva também o nível das campanhas, levando os partidos a enfocar programas, e não apenas nomes.
O voto distrital misto é assim um instrumento mais eficaz para a autenticidade da representação popular e a elevação do nível da vida pública nacional.

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