São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Brasileiros vivem em 'ilha' americana

DANIELA PINHEIRO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Imagine uma escola onde latino-americanos sejam chamados de "chicanos". Que na hora do recreio os alunos joguem baseball e basquete. Que dentro da sala de aula não se fale português. E que os professores sejam tratados por "mister".
Esta "ilha" norte-americana está localizada na capital do Brasil, atrás dos altos portões da EAB (Escola Americana de Brasília).
Filhos de embaixadores de vários países, ministros, empresários ou simplesmente de famílias que apertam o orçamento para pagar a cara mensalidade (R$ 550) são alguns dos brasileiros que sonham com uma educação nos moldes do Primeiro Mundo.
Mas o alto preço que se paga por este ensino não afeta somente o bolso dos pais. A maioria dos alunos brasileiros da EAB perde a noção do que seja a própria identidade de seu país.
Seus gostos, hábitos e idéias, se não passam a ser iguais, pelo menos acabam por se identificar muito com o que é pregado pelos americanos mundo afora.
Em conversas com um grupo de alunos da EAB, entre 12 e 19 anos, a Folha ouviu comentários surpreendentes. Como o modo de pejorativo de se referir aos latinos-americanos: "Eu é que não ando com os chicanos", disse Marcelo Borges Lopes, 15.
"Latinos de língua espanhola", corrigiu Felipe Taunay, 18, tentando remendar a gafe do colega. "Porque nós também somos latinos", salvou.
Na EAB, nove entre dez brasileiros se preparam para estudar em uma universidade americana. Todos eles têm renda familiar acima de R$ 4.450 e já foram, no mínimo duas vezes aos EUA.
Mas também há certo desprezo aos "gringos". "Lá vão os babacas comer no Mc Donald's", disse Taunay sobre um grupo de quatro americanos que atravessava a rua para ir à lanchonete.
A cultura brasileira passa longe da escola. Com aulas de português diárias (mas insuficientes, segundo os alunos), eles estudam História do Brasil em apenas um dos 12 anos que passam na EAB.
Sílvia Cançado, 16, filha de empresário, não soube dizer o nome de um único filme brasileiro que tenha assistido. "E cinema nacional só tem sacanagem", disse.
Mais interado com a produção nacional, mas não mais interessado, Jorge Bittar, 15, aluno do 9º ano, disse não ter discos de música brasileira em casa.
Para ele, só a programação da TV já mostra o quanto os americanos são mais avançados que os brasileiros. "O desenho Beavis & Butt-Head (apresentado pela MTV) é o que de melhor existe na televisão brasileira", disse.

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