São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Cabrita Reis quer preservar a vida na escultura

BERNARDO CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Pedro Cabrita Reis
Sinopse: Sete esculturas
Quando: De hoje, às 20h, até 23 de dezembro, e de 3 a 15 de janeiro
Onde: Galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, Vila Madalena, zona oeste, tel. 210-7390)

O artista português Pedro Cabrita Reis, 38, montou as sete peças de sua nova exposição, que será inaugurada hoje na galeria Camargo Vilaça, ao som de Vicente Celestino, Noel Rosa e Nana Caymmi. "Ela está viva?", pergunta sobre a cantora, sempre com um charuto na mão.
Pergunta semelhante poderia ser feita sobre qualquer uma das sete esculturas da exposição, compostas de argila, vidro, água, vapor, espelho, madeira, ferro, ovos, alto-falante, papelão etc.
Em uma delas ("Sistema de Preservação nº 1"), um monte de barro dentro de uma redoma de vidro lembra um busto de formas indefinidas. A imagem é envolvida pelo vapor que penetra a redoma por um tubo de plástico, vindo de um galão de água fervente.
"Os trabalhos têm uma proposta metafórica, de um sistema de preservação de vida. O vapor vai manter viva essa figura quase antropomórfica", diz o artista.
Considerado um dos mais importantes artistas portugueses hoje –além de ser uma figura pública, tendo participado como ator de filmes como "Tempos Difíceis", de João Botelho, e "Três Irmãos", de Teresa Villaverde–, Cabrita Reis tem seu trabalho (esculturas, instalações, ambientes) com frequência associado ao do alemão Joseph Beuys e aos expoentes da "arte povera" italiana.
"Hoje é impensável estabelecer um discurso de arte contemporânea que não passe pela herança de Duchamp, Beuys, os minimalistas e a arte povera. É uma memória que está presente no meu trabalho", diz.
Tudo em Cabrita Reis passa pela idéia de uma "memória arquetípica". "Parto do raciocínio de que a arte tem um desejo, uma necessidade de criar sentidos e reencontrar arquétipos, e nessa ação descobrir relações não-vividas e uma identidade mais profunda", diz.
As peças têm um aspecto precário –ao mesmo tempo dramático e humorado–, como se o mundo e as coisas precisassem ser refeitos para alcançar sentidos verdadeiros, e as esculturas e instalações de Cabrita Reis fossem representações no meio desse processo.
"Há uma ferida entre o homem e o mundo. O que procuro não é o desaparecimento da angústia mas da impotência. A arte pode servir para isso. Não quero elaborar raciocínios sobre a morte, mas sobre como se organizam os sistemas de vida. A ambição da arte é o absoluto, reencontrar as partes do homem e do mundo. Se isso se realizasse, seria provavelmente chatíssimo. Mas como utopia vai servindo", diz com o mesmo humor com que parece enfrentar inesperadas vicissitudes.
"A Sala dos Mapas", obra que o artista apresentaria na Bienal, por exemplo, ficou retida na alfândega, chegando ao Ibirapuera apenas cinco horas antes da inauguração da mostra. Cabrita Reis criou uma outra instalação no lugar: uma sala com a estrutura das paredes à mostra, e um bebedouro, uma garrafa térmica de café e um cobertor ao fundo.
"Tudo o que você tem está em sua cabeça. Arrumei um trabalho de 'specific site'. É uma homenagem a uma situação que eu não conhecia, que é o Brasil, um campo de crescimento com muitas assimetrias e uma grande dubiedade na pujança. Tive um choque positivo. É como se você levasse uma pancada na cabeça e passasse a ver as coisas", diz.
Talvez para evitar tais pancadas, Cabrita Reis prefira trabalhar à noite: "É como a luz na mesa de bilhar. Há uma concentração absoluta. Não há mais nada ao redor. De dia, não dá para fazer arte, porque há muitas coisas em volta. Outros dizem que a luz da manhã é fantástica; eu odeio. À noite, você pode esticar os braços e não tocar em nada. De dia, você não pára de esbarrar nas coisas."

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