São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994 |
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Zélia Gattai diz que ainda não sabe se é escritora
LUIZ ANTÔNIO RYFF
Folha – A sra. já disse que não era escritora, apenas escrevia memórias. Com esse romance a sra. se sente uma escritora? Zélia Gattai – Ainda não sei. Essa é uma primeira experiência. Folha – A sra. considera a atividade de memorialista uma literatura menor? Gattai – Absolutamente. É uma coisa que fixa uma época. Eu escrevo muita sobre o Jorge Amado. Há dezenas de trabalhos feitos sobre a obra dele. Mas eu achei que podia fazer algo sobre o homem. Quando eu leio um romance me interesso muito pelo escritor. Se condiz o que ele pensa com o que ele escreve. Isso é uma coisa que importa, saber das raízes dele. Folha – Por que só agora a sra. resolveu se aventurar a escrever romances? Gattai – Comigo tudo acontece de repente e por acaso. Comecei a escrever aos 63 anos. Nunca tinha escrito nada, nem tinha intenção. E, no entanto, comecei a escrever. Achei que nunca escreveria um romance, mas, ano passado, tive vontade de escrever uma história inventada. Folha – A culpa é do Jorge? Gattai – Ele nem sabia, ficou surpreso. Eu pensei: vou me divertir, dessa vez não tenho que contar o que vivi, vou dispôr da vida dos personagens. Mas me enganei. Eles não aceitam... Folha – E a sra. conseguiu se divertir fazendo o livro? Gattai – Muito. Vou sentir saudade. Pode ser que achem o livro uma porcaria. Pelo menos me divertiu. Folha – Que tipo de dificuldade existe entre escrever memórias e um romance? Gattai – Talvez escrever memória seja mais difícil. A gente fala em datas, pessoas, não pode inventar. E nem sempre a memória da gente guarda tudo. É preciso consultar outras fontes para confirmar as lembranças. Folha – Seu romance é centrado na década de 50. Houve uma pesquisa histórica? Gattai – Não houve pesquisa histórica, mas consultei uma espécie de enciclopédia. Li sobre o primeiro jogo de futebol televisionado do Rio para São Paulo, os jogadores da época, os artistas da época... Algumas coisas não tenho certeza, aí eu fui me certificar, né? Folha – A sra. sempre passou a limpo os livros do Jorge. Ele também faz isso com a sra., ou ele não tem esse privilégio? Gattai – Eu é que não tenho o privilégio que ele faça isso comigo. Bem que gostaria. Quando estávamos em Paris, e ele teve uma dificuldade na vista, eu li uns trechos do livro e ele se interessou. Me deu vários conselhos, que eu aceitei, ou que não aceitei. Folha – Em um casal de escritores deve haver influência e ingerência mútua na atividade literária. Quem dá mais palpite? Gattai – Eu sou muito palpiteira, mas ele não me ouve. E ele não é nada palpiteiro. Bem que gostaria que ele fosse mais. Folha – E o seu projeto de fazer outro livro de memórias, "A Casa do Rio Vermelho"? Gattai – Ainda não comecei, mas, na hora que sentar, vem tudo à tona. Folha – Esse livro é sobre qual período da vida de vocês? Gattai – Desde 63, quando viemos para a Bahia. Essa é uma casa surrealista. Poderia escrever mil livros sobre ela. Folha – É o próximo livro? Gattai – É. Acho que romance só este. Não sei nem o que vão dizer, vão me malhar, sei lá... Folha – Seus livros têm uma visão otimista. É uma postura diante da vida ou crença em uma função social do escritor? Gattai – Sempre fui otimista, mesmo nas piores ocasiões. Quando acontece uma coisa ruim, procuro tirar a parte positiva. Folha – Nos seus livros a família tem sempre destaque... Gattai – A minha família, meu marido, meus filhos são muito importantes para mim. É o mais importante, porque a outra já se acabou. Meus pais e dois irmãos morreram, minhas irmãs estão velhinhas, moram longe. A família se dissolveu. Só resta a memória. Texto Anterior: Cabrita Reis quer preservar a vida na escultura Próximo Texto: Livro conta a vida de Geana Índice |
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