São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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Intervenção esquálida

Cada dia de fome na cidade sitiada de Bihac e de combate nas montanhas que cercam Sarajevo vem tornar um pouco mais flagrante, e mais vergonhoso, o fracasso da chamada comunidade internacional em interferir de qualquer modo remotamente produtivo no conflito que dilacera a Bósnia.
Da incapacidade de manter abertas rotas de ajuda humanitária aos inúteis ataques aéreos da antes temida Otan; da tomada de 400 soldados da ONU como reféns à sucessão de cessar-fogos e planos de paz desprezados, a coleção de iniciativas frustradas foi-se acumulando a ponto de o secretário-geral da ONU ter sido vaiado nas ruas de Sarajevo pelos mesmos habitantes que desde o princípio afirmava defender. Somando afronta à humilhação, não foi nem recebido pelo líder dos sérvios bósnios.
Agora, tão perplexas quanto no início da guerra, a ONU ameaça abandonar a Bósnia e a Otan estuda desistir de patrulhar as zonas de exclusão aérea. São sinais patentes da situação de impotência a que se condenou a comunidade internacional quando optou por reduzir riscos e custos e não intervir de forma determinada no conflito.
Mas mesmo essa estratégia inócua e hesitante já vem causando desentendimentos. França, Alemanha, EUA e Rússia defendem teses crescentemente divergentes sobre o embargo de armas aos muçulmanos, o boicote à Sérvia ou a oportunidade de ataques aéreos. A França chegou a culpar os EUA pelo recrudescimento dos combates. É um movimento que pode enfraquecer ainda mais a posição internacional.
O mais grave é que, enquanto se sucedem tombos e tropeços, a luta prossegue, tão violenta como antes, e pessoas continuam a passar fome, a ser expulsas de suas casas e cidades, a morrer. Oposto da mostra de força e de coordenação que foi a Guerra do Golfo, a esquálida intervenção na carnificina bósnia recoloca em tela os temores de que a ordem mundial pós-Guerra Fria seja perigosamente mais desordenada do que aquela que a antecedeu.

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