São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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O orçamento de 1995 e futuros

ANTONIO DIAS LEITE

Tenho a impressão de que o equilíbrio do Orçamento corrente da União, em 95, apesar de corresponder a apenas um detalhe do plano global de estabilização e renovação, acabou por se constituir em teste de credibilidade das medidas e dos governos que as executam.
Trata-se de mostrar, inequivocamente, que as receitas tributárias correntes da União são superiores às despesas correntes, nestas incluídos os encargos financeiros da dívida mobiliária, em cada exercício e, em particular, no primeiro exercício do novo governo.
Já foi assim por muito tempo, com saldos suficientes para realização de importantes investimentos públicos. Por que não poderá voltar a sê-lo? E nunca se vendeu patrimônio público, como agora se vem propondo, para cobrir despesas correntes.
Trata-se de questão cuja solução vem sendo postergada, por vários motivos. Abrem-se a meu ver, na atual conjuntura, três caminhos possíveis:
1) Resolve-se de forma cabal a cobertura do "déficit" de 1995 dentro de diretrizes coerentes com o que se pretende fazer nos anos subsequentes. Não há como fugir do aumento da receita e da redução da despesa inclusive dos juros. Vence-se assim mais um obstáculo à consolidação do plano de estabilização, abrindo caminho para a renovação e o desenvolvimento. Conta-se com o apoio de um país ansioso por segui-lo.
2) Resolve-se de forma precária e incompleta, com emprego de artifícios, ou de adiamento para exercícios subsequentes, sem garantias adequadas da sua cobertura futura, evitando-se o confronto com problemas crônicos.
O plano de estabilização sofrerá sério revés tanto no seu aspecto objetivo como na confiança da opinião pública e entrará capengando no novo governo, que terá dificuldades de se libertar da continuidade da não-solução que nos vem acompanhando.
3) Não se resolve o "déficit", seja por insuficiência da receita, seja pela tentação de aumentar despesas, mesmo as eticamente justificadas. O plano de estabilização se desmoraliza e, em função dele, corre grave risco o próprio governo.
Entre várias alternativas uma solução envolveria a privatização de grandes empresas que produziria, a médio prazo, recursos significativos que permitiriam reduzir e reformular de forma drástica a dívida mobiliária interna e a liquidação de vários incômodos débitos vencidos.
Com isso se reduziria o peso dos encargos da dívida no Orçamento, cujo equilíbrio permanente seria alcançado desde logo por essa via associada às economias decorrentes da revisão administrativa. O processo não é instantâneo e requer uma antecipação de recursos, no princípio de 1995, seja através de tributo, seja de empréstimo compulsório, seja de redução de renúncias fiscais ou ainda de uma combinação destes instrumentos de ação.
Antes da eventual reforma constitucional são poucas as opções, desde que se descarte –como me parece importante que se faça– o uso dos recursos da privatização para tapar o buraco agora ou para liquidar o empréstimo compulsório amanhã.
A grave decisão do governo, como se tem dito, é de decidir quem vai pagar a conta e a partir daí definir o tipo de tributo ou contribuição a ser instituído. A busca da solução fiscal imediata nos leva a considerar a questão maior das reformas constitucionais que viabilizarão o equilíbrio dos anos futuros e restaurarão a capacidade de investir do governo federal.
A prioridade que se atribui ao desafio do ano de 1995 decorre apenas do fato de que a respectiva solução terá de vir até 31 de dezembro de 1994 e terá de ser coerente com as diretrizes gerais preconizadas para as reformas tributária e previdenciária da Constituição, a serem discutidas nos primeiros meses do novo governo.
Independentemente do mérito das muitas propostas que têm sido feitas, parece oportuno lembrar às lideranças políticas e equipes técnicas do governo que uma reforma fiscal não pode ser apreciada exclusivamente sob o seu aspecto teórico como tem sido muitas vezes feito. É indispensável confrontar os objetivos em tese desejáveis com as condições de sua exequibilidade.
A experiência tem demonstrado que soluções altamente sofisticadas na busca de justiça fiscal não alcançam os objetivos pela sua complexidade, pela incapacidade da máquina arrecadadora que só tem se agravado nos últimos anos ou ainda pela facilidade de sonegação que oferecem.
Por um outro ângulo de observação, como é que podemos justificar soluções que requeiram significativas ampliações do aparelho arrecadador se estamos com a firme intenção de reduzir drasticamente a dimensão do governo da União? A desejada reforma fiscal só será revolucionária se for muito simples.
Na sequência de três artigos que esta Folha acaba de publicar procurei me ater ao período que vai até a provável reforma constitucional. Não tratei, todavia, de medidas táticas contra acidentes de percurso do plano e que estão certamente previstas no arsenal antiinflacionário da equipe econômica do governo.

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