São Paulo, segunda-feira, 5 de dezembro de 1994
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O PT, o Plano Real e as eleições

GUIDO MANTEGA ; JORGE EDUARDO MATTOSO

Os economistas do PT reconheceram desde o início que o Plano Real afetaria todo o processo eleitoral
GUIDO MANTEGA; JORGE EDUARDO MATTOSO
O Plano Real colocou o PT e a candidatura Lula numa sinuca de bico. Não pelas razões que alguns mais afoitos ou desejosos de capitalizar a derrota eleitoral têm apontado, mas porque deslocou o eixo da campanha para um terreno favorável ao candidato governista, dando a ele o benefício de apresentar resultados práticos, contra o discurso de mudança e os projetos para o futuro defendidos pelo PT.
A adesão ao real foi rápida e emocional, descartando maiores reflexões sobre a eficácia do plano e suas consequências futuras. O forte esquema de mídia da candidatura oficial amplificou e consolidou as emoções, condicionando o eleitor a considerar as críticas ao plano obras de inimigo do real e ameaça aos sonhos de estabilização.
Em contrapartida, elogiar o plano, ignorando seu caráter eleitoreiro além de enganoso reforçaria a idéia, difundida pelos adversários, de que FHC era o homem indicado para alcançar a estabilidade.
Não é verdade que o PT subestimou seus adversários ou a eficácia do Plano Real no curto prazo, como querem crer Eduardo Suplicy e Paulo Nogueira Batista Jr. em artigo nesta Folha. O PT e os economistas do partido reconheceram desde o início que o plano reduziria temporariamente as taxas inflacionárias e afetaria o processo eleitoral.
No entanto, apontamos seu caráter eleitoreiro e salientamos a herança que seria deixada para o futuro governo: valorização cambial, estouro das metas monetárias, defasagem das tarifas públicas, efeitos da abertura indiscriminada das importações sobre a estrutura produtiva e o emprego, os riscos de uma reindexação e de retomada do processo inflacionário.
O que todos subestimaram, tanto o PT como o PSDB, ou mesmo a equipe do Real, foi a extraordinária confiança depositada no plano e o efeito psicológico da nova moeda. FHC chegou a insinuar que se imaginasse tal sucesso não teria vendido a alma ao PFL.
O PT começou a campanha atingindo não apenas a trabalhadores, empresários e outros setores organizados. As caravanas e as campanhas como a do combate à fome, da segurança alimentar e do emprego dirigiram-se, sobretudo, aos setores desorganizados. Estes, no entanto, excluídos da atividade sindical, da produção, do consumo e, portanto, da cidadania, são pouco mobilizados pelo debate programático e mais suscetíveis à mídia eletrônica, que acaba constituindo-se na fonte de sua sociabilidade e definição de interesses.
Com o real, a mídia eletrônica assumiu um papel ainda maior que o tradicional. Poucos minutos de programa na televisão e no rádio mostraram-se insuficientes para virar o jogo e revalorizar o debate programático dos grandes temas nacionais, reduzindo, assim, o contato com eleitores que demonstraram simpatia por Lula até a entrada do real.
Diante de tais circunstâncias, reduzia-se o espaço para apresentar um complexo programa alternativo de estabilização, embora já existissem no programa de governo princípios gerais de combate à inflação sem recessão, combinados com um programa de desenvolvimento de longo prazo e melhoria da distribuição da renda.
Foi nas inúmeras discussões que fizemos em torno desse tema que surgiram as divergências da maioria com as propostas do economista Paulo Nogueira Batista Jr., do senador Eduardo Suplicy e do seleto grupo que os acompanhou.
Estes não aceitavam nossa estabilização abrangente, acompanhada de reformas que viabilizassem a retomada dos investimentos, a maior competitividade da economia e privilegiasse uma política fiscal não recessiva. E, sobretudo, não aceitavam que fosse um programa amplamente negociado com a sociedade, visando um acordo nacional em torno de metas decrescentes de inflação, diminuição das taxas de juros, revisão de tarifas públicas e de impostos, acompanhadas de amplas negociações no Congresso.
Eles defendiam, em contrapartida, um novo choque baseado na contenção da emissão e lastreamento da moeda, que pouco se diferenciava das alternativas monetaristas discutidas pelo governo. Eles propunham a formação de um "comitê de emissão", que decidiria as metas de expansão da nova moeda lastreada em ativos de empresas, tolhendo a política monetária e de financiamento.
O lastreamento em ações das empresas atrelaria a moeda a um ativo que oscila de valor, abalaria a confiança do empresariado no governo, por ser compulsório e suscitar demandas judiciais, retornando a uma espécie de padrão-ouro mal resolvido.
O PT não se contenta com uma mera contraposição ao Real, onde ao monetarismo dolarizante deles opuséssemos um monetarismo nacional, ao lastro em dólar um lastro em ativos de empresas, ao Banco Central autônomo um "comitê de emissão" independente. Tampouco serão choques unilaterais ou projetos acadêmicos que darão conta da diversidade e dimensão dos problemas macroeconômicos nacionais.
O Plano Real ainda não assumiu plenamente sua alma dolarizante por encontrar resistências geradas por uma economia de dimensão continental. Apesar de seu caráter precário deixa claro o (des) caminho futuro. A estratégia adotada reprimiu artificialmente a inflação através da valorização do câmbio, da abertura indiscriminada das importações, ancorada nas reservas disponíveis e na eventual entrada de capitais.
Esta política mostrou seus limites na Argentina e no México, que vivem sob ameaça de desvalorização cambial e consequente explosão de preços, com desindustrialização, déficits da balança comercial, dependência do ingresso de recursos externos e efeitos perversos sobre o mercado de trabalho. Não é isso que o PT deseja para o Brasil!

GUIDO MANTEGA, 45, economista, é professor da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi membro da coordenação do programa econômico de governo Lula 94 e autor de "A Economia Política Brasileira".

JORGE EDUARDO L. MATTOSO, 44, economista, é professor do Instituto de Economia e diretor-executivo do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Foi membro da coordenação do programa econômico e do programa de governo Lula 94.

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