São Paulo, terça-feira, 6 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Louco por Cinema' traça retrato emocionado da loucura dos anos 70

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"Louco por Cinema", filme de André Luis Oliveira exibido na noite de sábado no Festival de Brasília, é um surto. Depois de ter feito "Meteorango Kid" em 70 e "Lenda de Ubirajara" em 73, André passou 20 anos de solidão e foi reunindo sofrimentos, experiências artísticas paralelas –como a música e o texto– até que em 94 consegue filmar.
Seu filme –"Louco por Cinema"– vem na hora em que estamos mortos como atividade e tem o sabor de uma ressurreição, da qual o filme trata também. O filme é todo metafilme, metAndré, pois fala de um homem que enlouquece e dentro do hospício sequestra uma comissão de direitos humanos que só libertará em troca da produção de um roteiro que está dentro dele como um vírus.
Com a ajuda de velhos companheiros de uma antiga equipe ele acaba transformando os loucos em atores. Além disso, o filme vira um emocionado retrato dos anos 70, quando a loucura era cultura.
Seu filme, que começara como uma alegoria do drama de filmar, uma "noite brasileira" pirada, vai virando um "Oito e Meio", vai saindo da coisa geral exterior para um choro e um riso muito pessoal de André Luis, vai se voltando sobre si mesmo e se torna uma comédia nostálgica de uma magia que desapareceu hoje, junto com o cinema tão amado.
Tudo "vai virando": o filme tem uma estrutura transformista, uma construção em forma de cebola, abismo sem fundo. O resultado é maravilhoso.
O filme reúne as maiores qualidades que nosso cinema conseguiu em sua trajetória pela fragilidade e pelos perigos, pelas dificuldades de produção e imaginação livre, pela invenção poética a que a falta de condições nos obrigou.
Se parodia o tempo todo, mas não pára de narrar; equivoca o espectador mas conta uma parábola, ostenta uma ingenuidade quase primitiva mas vai ficando profundo nas brechas da brincadeira.
E, mais que tudo, o filme tem aquela imagem profundamente cinematográfica, que passa por cima da literatura, dos diálogos, da trama e que vai arrancando seu sentido da visualidade grotesca das personagens, do plano livre de enquadramentos caretas, da releitura de um psicodelismo que vai além do clichê do videoclipe que sobrou como liberdade programada.
"Louco por Cinema" é um dos melhores filmes dos ultimos dez anos e é uma prova da necessidade de se recriar o cinema neste país. O filme não é o resultado de uma operação pensada. É mais uma grande bandeira, vindo do fundo do coração. Por isso dá tão certo. Pode ser um sucesso, se os exibidores tiverem a inteligência de lançá-lo. Lá fora então pode virar cult.(Arnaldo Jabor)

Texto Anterior: Pearl Jam decepciona em disco marcado pela morte de Kurt Cobain
Próximo Texto: Novela supera expectativa de audiência
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.