São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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Americano aponta falta de debate sobre Bienal

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

O crítico americano Edward Leffingwell, 45, considera a 22ª Bienal Internacional de São Paulo, que termina neste domingo, um bom trabalho, em termos educativos e para a valorização da arte brasileira, mas vê problemas em seu modelo e no resultado concreto da defesa de sua tese. Leffingwell, que visitou a exposição em outubro, falou à Folha por telefone.
O interesse dele pela Bienal de São Paulo é sério. Há tempos escreve sobre arte brasileira. Dessa sua última visita ao país, faz texto sobre a 22ª para a revista "Art in America", a mais influente no setor, e prepara outro sobre Waltércio Caldas para a "Parkett", revista suíça de grande prestígio.
Embora curador do Museu da Cidade de Los Angeles, Leffingwell confessa que se sente mal em grandes eventos como a Bienal, em que a arte parece feita para os curadores e não para o público.
Folha - O que o sr. achou da 22ª Bienal Internacional de SP?
Edward Leffingwell - É a terceira Bienal de São Paulo que visito e é sem dúvida a melhor das três. Acho também que a imprensa deu muita importância às salas especiais, esquecendo-se de discutir a própria Bienal, que é uma discussão sobre arte contemporânea.
É preciso discutir como se dá a expressão de uma idéia no espaço físico e como se faz a conversação entre os artistas selecionados.
Acho que a realização da idéia nesta Bienal é bem-sucedida, no todo, mas falta o debate. Você vê que Richard Long tentou em seu trabalho um diálogo com o prédio, mas esse diálogo tem problemas em muitos pontos.
Folha - Esses problemas de organização espacial não estariam vinculados à tese da curadoria, de que a instalação é a linguagem dominante hoje, de que a arte contemporânea é a que busca ocupar o espaço exterior?
Leffingwell - Acho a tese plausível, mas o problema é quando você trata a tese como fórmula. Aconteceu isso na Bienal.
Enfrentei a questão para a bienal do Museu da Cidade de Los Angeles, que começou no dia 12 de novembro, e sei como é complicada. A exposição tem de mostrar a produção local e pensar a cidade de Los Angeles, mas também não pode ser reducionista e eliminar artistas que não se encaixem nessas categorias e sejam importantes.
Folha - Como detectar os problemas na Bienal de São Paulo? Não haveria aí também um problema do modelo adotado, de "ONU da arte", que é o da Bienal de Veneza?
Leffingwell - É preciso ver como a exposição ocorre dentro do prédio. No caso da de Veneza, você tem pavilhões separados, que pode dividir de acordo com contornos geográficos.
Na de São Paulo, é um único e enorme pavilhão –um problema arquitetônico sério. Como que por necessidade os curadores vão procurar instalações, porque há um grande espaço a ser ocupado. O que resta ao curador, para criar as distinções, as leituras, é apenas dar mais espaço aos artistas mais significativos e assim por diante.
Folha - O crítico de arte Adam Gopnik, da revista "The New Yorker", disse em entrevista que acha que "as premissas da instalação são pueris". Na sua opinião a Bienal não favoreceu demais as instalações?
Leffingwell - Mesmo assim, em comparação à última Bienal, há menos problemas. Quanto à frase de Gopnik, acho que é verdade que a instalação é mais fácil de fazer. Mas é difícil fazer boa instalação, e esta é outra questão.
Folha - Outra tese desta Bienal é que a arte contemporânea brasileira tem hoje peso internacional. Qual sua opinião sobre isso e quais brasileiros o sr. apontaria como interessantes?
Leffingwell - Acho correto. Gostei muito dos trabalhos de Nuno Ramos e Antonio Dias na Bienal, citando de memória.
Folha - Por que críticos e curadores estrangeiros, como Guy Brett e Cathérine David, vêem a arte brasileira como uma arte da "diarréia dos sentidos" (na frase de Hélio Oiticica), uma arte "exuberante", barroca?
Leffingwell - Pense por exemplo numa tela de Daniel Senise. Ele não é um artista "exuberante". Iberê Camargo também não. Nem Antonio Dias.
Acho essa visão errada e a atribuo ao fato de que Guy Brett (inglês) e Cathérine David (francesa) são europeus. Essa é a visão tradicional da Europa em relação a nós americanos. O Brasil é ridículo segundo a visão deles. Eu discordo.
Folha - O sr. não acredita que as bienais são grandes demais, excessivas? E não acha que a figura do artista hoje em dia é diferente? Robert Hughes conta que mais de 200 mil artistas se formam anualmente nas universidades americanas. Para aparecer, não é preciso fazer um bocado de barulho e não são as bienais os megafones perfeitos?
Leffingwell - Sinto o mesmo. Mas talvez seja bom que o artista hoje tenha formação intelectual. Mas a questão da mídia, das grandes dimensões, do número de artistas no mercado, isso é importante. Não sei onde isso vai parar. Talvez haja uma saturação.

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