São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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Salário divide EUA e América Latina

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Os baixos salários pagos na maior parte dos países latino-americanos tendem a ser um foco de profundas divergências entre os EUA e seus vizinhos do Sul, quando se iniciarem as negociações concretas para o estabelecimento da Afta (Zona Americana de Livre Comércio, em inglês).
A Afta será proposta formalmente nos dois documentos a serem assinados domingo, em Miami, pelos 34 chefes de governo dos países americanos, reunidos na chamada Cúpula das Américas, que se inicia sexta-feira.
Mas, nas discussões preliminares sobre ambos os textos, a questão dos baixos salários foi uma das mais difíceis de se contornar, para se chegar a uma convergência nos documentos já prontos para a assinatura dos governantes.
A tese dos norte-americanos (e também dos europeus) é a de que os salários baixos pagos em quase toda a América Latina configuram uma espécie de dumping social.
O "dumping" convencional caracteriza-se pelo lançamento, no mercado internacional, de produtos a preço de custo ou até abaixo, para conquistar mercados.
Com o baixo nível salarial dos países ao Sul do Rio Grande, cria-se, na visão norte-americana, uma concorrência desleal com a produção dos EUA, obviamente encarecida pelo fator salário.
Mas os latinos, capitaneados pelo Brasil, presidente de turno do Grupo do Rio, rejeitaram a tentativa norte-americana de vincular o tema salarial à abertura comercial inerente à Afta.
O argumento utilizado é o de que essa questão ainda está sendo discutida em organismos multilaterais, como o Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio, a ser substituído em janeiro pela Organização Mundial de Comércio) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Chegou-se a uma conciliação tipicamente diplomática: o tema salários não mais figura na parte de proposições operativas do documento batizado de Plano de Ação.
Mas é óbvio que a manobra serve apenas para jogar para o futuro a discussão, dado que a diferença de enfoque é bastante grande.
Os EUA pretenderam vincular também o respeito ao meio ambiente como pré-condição para o livre comércio, o que foi igualmente rejeitado pelos latinos.
Não que eles sejam contra o respeito ao meio ambiente (ninguém, aliás, diz que é).
São contra a vinculação entre um tema e outro, porque criaria o que a diplomacia brasileira chama de neoprotecionismo.
Traduzindo: a pretexto de que os baixos salários e o desrespeito ao meio ambiente representam uma concorrência desleal com a produção norte-americana, os EUA (e a Europa) poderiam impor medidas protecionistas.
O Plano de Ação é o documento mais substantivo dos dois a serem assinados em Miami.
O outro é uma Declaração Política, que, como tal, dá apenas as diretrizes gerais, em tom bastante genérico.
Exemplo: o documento diz que os presidentes e chefes de Estado eleitos nas Américas comprometem-se a promover a prosperidade, os valores democráticos e institucionais e a segurança no hemisfério.
No Plano de Ação, entram propostas de medidas concretas para que se atinjam as metas expostas no texto político.
Na questão principal da reunião, a criação da Afta, o documento político limita-se a dizer que as Américas estão unidas na busca da meta de prosperidade por meio do livre mercado, da integração hemisférica e do desenvolvimento sustentado.
Já o Plano de Ação deverá fixar uma data concreta (talvez 2005), não para estabelecer a Afta, mas para concluir os preparativos, a serem iniciados em 1995, com vistas à sua criação.

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