São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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Suspeita desconfortável

Qualquer surto repentino de hiperatividade num governante às portas do fim de mandato chama atenção. Mas a atenção transforma-se em estranheza quando se refere a um governador que nunca primou pela operosidade.
É o caso de Luiz Antonio Fleury Filho, de São Paulo, que enviou várias propostas à Assembléia Legislativa e pediu urgência para outras, num pacote que atinge sensivelmente as já débeis finanças do Estado para a próxima gestão.
É certo que o governador tem legitimidade para apresentar projetos até seu último dia e que cabe à Assembléia Legislativa aprová-los ou não –embora esse órgão seja tradicionalmente dócil para com o Executivo. Ainda assim, propor medidas de impacto logo antes de apagar as luzes, e sem consultar seu sucessor, não deixa de ser intrigante e suscita diversas conjecturas.
A gestão Fleury já não iria entrar para a história como a que mais se preocupou com o saneamento do Estado e o teor dos projetos só reforça essa imagem. A maioria prevê benefícios ou aumentos significativos –de até 100%– para servidores num custo total estimado em mais de R$ 1 bilhão. Fleury contra-argumentou que,"se há projetos que criam despesas, há os que geram receita, como é o caso do (que destina) 1% do ICMS para a habitação". Se essa é a explicação, então o pacote vai mesmo aumentar os gastos públicos sem a responsável contrapartida em fundos.
Ninguém ignora que boa parte do funcionalismo ganha mal –incluindo aí os das áreas de saúde e educação, que curiosamente foram excluídas das propostas. Mas fragilizar ainda mais a situação financeira do Estado não é o meio adequado para corrigir distorções salariais, além de contrariar as exigências da estabilização.
É de se perguntar ainda por que a iniciativa de Fleury vem exatamente no fim do mandato, quando o bônus da decisão fica para si, mas o ônus financeiro que ela vai causar é repassado para o seu sucessor. É inevitável a impressão de que propósitos político-pessoais interferiram na conduta administrativa do Bandeirantes. É uma suspeita bastante desconfortável para um futuro ex-governador carregar.

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