São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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Câmbio, outra vez

ANTONIO DELFIM NETTO

A liberdade de movimento de capitais que acompanhou o que se convencionou chamar de "globalização" da economia colocou as finanças internacionais como fator dominante do comércio internacional. O volume do comércio internacional diário anda em torno de US$ 30 bilhões (exportação mais importação), enquanto o volume das transações financeiras (liquidação comercial, compra e venda de divisas, operações futuras de câmbio etc.) anda em mais de US$ 1 trilhão por dia.
Tudo isso está muito longe do que supunham os defensores do câmbio flexível no início dos anos 60, quando existiam múltiplas restrições à movimentação dos capitais. Num quadro de equilíbrio geral, com economias com taxas de crescimento parecidas, com progresso tecnológico semelhantes, com pequenas e acidentais variações nas relações de troca, com políticas monetárias compatíveis com pequenos diferenciais de taxa de juro, com políticas fiscais harmonizadas, um sistema de taxas flexíveis deveria apresentar vantagem sobre o sistema de taxas fixas estabelecido em Bretton-Woods.
Ele produziria uma correção mais rápida dos eventuais desequilíbrios dos "fundamentais", permitindo um ajuste menos traumático do realinhamento das taxas de câmbio (inevitável devido ao dinamismo do mercado). E permitiria reduzir dramaticamente a acumulação de custosas reservas.
A robusta verificação empírica de que no longo prazo variações das taxas de câmbio nominal entre duas moedas estão ligadas aos diferenciais inflacionários a que elas foram sujeitas e o reconhecimento de que os preços (e os salários) nominais são inflexíveis para baixo sugeriam que era muito mais simples e menos doloroso fazer os ajustamentos corrigindo o câmbio (alterando a paridade ou deixando-a flutuar) do que reduzir os preços e salários nominais.
A hipótese por traz da flutuação do câmbio era de que elas seriam relativamente pequenas, porque a ação dos "especuladores" (que "saberiam" que a taxa de equilíbrio a longo prazo era dada pelos diferenciais de inflação) antecipariam aqueles movimentos, reduzindo-os.
Com a ampla liberalização dos movimentos de capitais, a taxa de câmbio real que controla o movimento de bens e serviços passou a ser subordinada à taxa de câmbio nominal de curto prazo, que se estabelece pela comparação das taxas de retorno de dois ativos: o dólar e o real, e é condicionada pelos diferenciais de juro interno e externo.
O capital atraído pela "expectativa" de maior taxa de retorno podem ser de dois tipos. Um para aplicações em ativos financeiros que tem pequeno efeito produtivo direto, mas deprime a taxa de câmbio nominal prejudicando as atividades exportadoras se os preços e os salários nominais não caírem. Outro, para investimentos diretos, que aumenta a demanda interna, amplia as importações e tende a compensar a queda do câmbio nominal com a elevação da produtividade do trabalho. Além do mais, aumenta a demanda de divisas pela remessa dos lucros.
Ao contrário do que prometia a teoria, verificou-se que o câmbio flexível pode produzir dramáticas flutuações na taxa de câmbio real sem nenhuma justificativa nos "fundamentais", com efeitos perniciosos sobre o sistema produtivo. Isso não significa, entretanto, que a taxa de câmbio fixa também não tenha os seus problemas.

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