São Paulo, quarta-feira, 7 de dezembro de 1994
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Rua Santa Luzia, nº 206

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Aquecimento de mercado é isso aí. O novo governo nem tomou posse e atraentes oportunidades estão se abrindo a todos os que desejarem colaborar no desenvolvimento do país.
Trabalho não faltará. Na rua Santa Luzia, nº 206, centro do Rio (não sei o CEP, mas é fácil chegar lá) estão precisando de agentes funerários. O anúncio foi publicado ontem, nos bons jornais do ramo. Faz um discreto apelo a aposentados e frilas, mas não discrimina. Como declarou o presidente eleito, os melhores, os mais capazes serão aproveitados, independentemente de filiação partidária, cor, raça ou credo religioso.
Não conheço bem as funções de agente funerário. Conheço agentes do mercado financeiro, agentes da lei, agentes poluidores (há agentes pra tudo), mas desconfio que agente funerário é aquilo que se costuma designar de papa-defunto –uma profissão como outra qualquer.
Dou as dicas completas: o candidato deverá comparecer ao endereço nos dias úteis (embora se morra em qualquer dia da semana) e no horário comercial –apesar das horas extras, pois também se morre antes ou depois do expediente.
Não precisa levar currículo nem atestados de vacina e certidão negativa do IR. Não pretendo me habilitar. No momento, não me sobra tempo para um bico, mesmo assim fico mais tranquilo sabendo que, se as coisas engrossarem, tenho um endereço para procurar e uma profissão decente a me esperar.
Os arautos de FHC estão proclamando que a história acabou. Tal como no final dos Tempos, quando soar a trombeta do Juízo Final, a sociedade será dividida entre as 12 tribos de Judá que rodearão o Trono do Poderoso. Passarão o restante da eternidade a cantar-lhe a glória e a sabedoria. Sempre achei esse tipo de bem-aventurança um saco, daí que nunca fiz muita força para integrar o time dos eleitos, a seleção dos justos.
Mas esses tempos benditos estão realmente às portas. O PT ameaçava que o Plano Real traria recessão e desemprego. Palpite furado: o mercado se amplia e a distribuição de renda está a caminho.
Os interessados devem se dirigir à rua Santa Luzia, nº 206. Matéria-prima para o ofício é abundante.

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