São Paulo, quinta-feira, 8 de dezembro de 1994 |
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MAM do Rio faz retrospectiva de Sérgio Camargo
MARIO CESAR CARVALHO
Agora, a retrospectiva de Camargo assombra a releitura da história da arte proposta pelo curador Nelson Aguilar para a 22ª Bienal Internacional de São Paulo. Segundo Aguilar, três artistas ajudaram a mudar a arte brasileira dos anos 60 ao extrapolar os limites da tela e implodir a base que sustenta a escultura: Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel. E Camargo? A retrospectiva no Rio parece sugerir que uma história da arte contemporânea brasileira seria mais íntegra se incluísse Camargo entre seus vetores. "Hélio e Lygia são artistas fundamentais, mas são episódios em uma história da arte. Sérgio é um capítulo como o Amilcar de Castro", diz o critico Ronaldo Brito, 45, curador da retrospectiva. Para o curador, Camargo acabou relegado porque há uma leitura ideológica dos trabalhos de Hélio e Lygia. No caso de Hélio, seria a ideologia da marginalidade. "O trabalho de Sérgio não consente isso. Ele se apresenta à frente de qualquer verbo. A obra não se data, não é ilustração de nenhuma ideologia, de nenhuma escola", defende. A idéia da retrospectiva, segundo Brito, é promover uma retomada na leitura da obra de Camargo. Uma versão maior da mostra fica até o dia 31 na Fundação Gulbenkian de Lisboa e depois vai para a Noruega, Dinamarca e Holanda. O capítulo Camargo na retrospectiva do MAM começa com suas esculturas de mulheres dos anos 50, de formas antropomórficas, e termina com dez peças inéditas. Foram feitas em Massa, uma cidade vizinha a Carrara, na Itália, a partir de projetos deixados pelo artista quando morreu em 1990. As mulheres não são só uma curiosidade da obra do artista quando jovem. Já prenunciam que o seu embate seria com a autonomia da forma, com a idéia de desvincular a arte de qualquer forma que se pareça com a natureza. É nos anos 60 que Camargo chegaria a essa autonomia, com uma série de relevos. São de uma simplicidade assustadora: cilindros de madeira colados normalmente em ângulo de 45º sobre uma base, tudo pintado de branco. Os relevos rompem com os limites entre tela e escultura –só isso bastaria para frisar suas afinidades com a obra de Lygia Clark, Hélio Oiticica e Mira Schendel. São para pendurar na parede, mas não são telas. Já contêm quase todas as questões que Camargo desenvolveria nas esculturas em mármore, sempre explorando opostos, como afirma o crítico inglês Guy Brett no texto que acompanha a retrospectiva européia. Há confrontos entre luz e matéria, plano e volume, "o vital e o cerebral, o selvagem e o ordenado", segundo Brett. A dificuldade com a obra de Camargo é que não se presta a leituras apressadas nem a arroubos. Ele nunca foi ligado à experimentação, mas tem "uma obra mais consistente que o radicalismo", segundo Brito. Era um erudito que dialogava com a tradição moderna. Estudou filosofia na Sorbonne e foi aluno de Lucio Fontana (1899-1968), um mestre contemporâneo homenageado nesta Bienal. Frequentou em Paris os ateliês de Brancusi (1876-1957) e Arp (1887-1966), dois mestres do modernismo. "O trabalho de Sérgio é principesco, é luxo no sentido menos supérfluo do termo", diz Brito. "É obra de quem acreditava em democracia social e aristocracia do espírito. É um susto que o Brasil tenha produzido estética tão fina." Exposição: Retrospectiva Sérgio Camargo Onde: MAM do Rio (av. Infante Dom Henrique, 85, Castelo, região central) Quando: de hoje a 11 de fevereiro, de terça a domingo, das 12h às 18h Texto Anterior: No Natal, dê urina de lince a um 'amigo' Próximo Texto: Irmãos Taviani confrontam honra e cobiça Índice |
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