São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Biografia mostra ambição literária de Zola

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Ele é um colosso, um colosso de pés sujos, mas um colosso." Assim se referiu o escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) a seu colega Émile Zola (1840- 1902). E assim o mostra a biografia "Zola", de Henri Troyat, que chega segunda-feira às livrarias.
Zola (pronuncia-se "Zolá") voltou a ser assunto em 1993 com o lançamento e sucesso do filme "Germinal", baseado em seu romance homônimo sobre a luta social em minas de carvão, e em 1994 com o centenário do caso Dreyfus, completado em 15 de outubro, no qual participou ativamente (leia textos abaixo).
Mas não foi pelo romancista social nem pelo polemista que Flaubert qualificou Zola daquela maneira. Também por isso, mas sobretudo pelo escritor ousado e vigoroso que Zola se mostrou em romances que fundaram o naturalismo como "Thérèse Raquin" (1867), "L'Assommoir" (1877) e "Nana" (1880).
Troyat, romancista francês de relativo prestígio em seu país hoje, também acha que, neste fim-de-século, o Zola panfletarista tem sido lembrado em prejuízo do romancista. Sua biografia, escrita em 1992, privilegia os fatos que fizeram de Zola o escritor que foi.
Não que se trate de uma biografia crítica, à maneira de Richard Ellmann sobre James Joyce, autor de "Ulisses", ou Georges Painter sobre Marcel Proust, de "Em Busca do Tempo Perdido", ambas já publicadas no Brasil.
Mas é uma biografia que procura mostrar a personalidade do escritor, e não esgotar cada ocasião de sua vida privada. Troyat mostra um Zola ambicioso, em busca de realizar uma carreira literária em muitos aspectos inspirada na de Honoré de Balzac (1799-1850), autor da série de romances "A Comédia Humana".
Nascido em Aix-en-Provence, no sul da França –conterrâneo e amigo do pintor Paul Cézanne (1839-1906)–, Zola quando jovem queria ser poeta, um Victor Hugo (1802-1885) talvez. Mas vai a Paris terminar os estudos, em 1858, e descobre a prosa como meio de sobrevivência.
Trabalhando como chefe de publicidade na editora Hachette, convive com grandes escritores da época (Renan, Taine, Michelet, Saint-Beuve); escreve contos e artigos para os jornais.
Passa a se fazer notar quando, em série de artigos, defende a pintura de Édouard Manet (1832- 1883). É sua primeira causa. Manet, com telas como "Olympia" e "Le Déjeuner sur l'Herbe" (ambas de 1863), provoca escândalo ruidoso em Paris.
A falta de solenidade e as novas cores com que Manet retratava seres humanos feria a respeitabilidade estética do período e apontava a sexualidade moderna.
Aí brotava –mostra Troyat– o escritor Zola, naturalista, que no final de "Nana", por exemplo, é capaz de passar páginas descrevendo o efeito da varíola no rosto da prostituta moribunda. Daí os "pés sujos" de Flaubert.
Provocador como romancista, crítico de arte ou jornalista, Zola, a despeito de todas as reações de espanto e repulsa que provocava, aos poucos se torna o que sonhara se tornar: o escritor mais lido do país, como Hugo e Balzac tinham sido. Isso ocorre por volta de 1890, quando é publicado "La Bête Humaine", e só sofrerá reviravolta quatro anos depois, por causa do caso Dreyfus.
Esse homem virulento nos textos e na vida pública era, conforme Troyat, sereno e sofisticado na vida íntima, hábil o bastante para ter mulher e amante sem grandes atritos. E essencialmente preocupado em evoluir em sua carreira, orgulhoso de seus escritos.
Essa dualidade, para críticos como George Steiner (em "Linguagem e Silêncio"), é ora trunfo ora fiasco em Zola. Trunfo, porque lhe permitia ter um distanciamento crítico do texto, que ocultava o autor por trás de seu –colossal– ímpeto analítico.
Fiasco, porque em muitas passagens o levava a converter narrativa em inventário, mesmo em algumas escandalosas que hoje não são mais que tediosas.

Livro: Zola
Autor: Henri Troyat
Páginas: 309
Quanto: R$ 18

Texto Anterior: Contos de Dalton Trevisan mordem o leitor
Próximo Texto: Caso Dreyfus dividiu a França
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.