São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 1994
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Livro traz as cartas de Graciliano a Heloísa

INÁCIO ARAUJO
DA REDAÇÃO

No prefácio às sete "Cartas de Amor a Heloísa", José Paulo Paes adverte que este é um Graciliano Ramos diferente do que se conhece. Nada a ver com a prosa "avessa a qualquer tipo de sentimentalidade" de sua ficção.
As cartas, escritas entre 16 de janeiro e 8 de fevereiro de 1928, estão saindo pela primeira vez em edição comercial.
O autor de "Memórias do Cárcere" havia conhecido Heloísa Medeiros no Natal de 1927. Viúvo, 35 anos, quatro filhos, ficou boquiaberto com a jovem de 18 anos incompletos. O tom das cartas varia, como se pode inferir das palavras usadas no cabeçalho. "Heloísa", nas três primeiras. "Minha querida noiva", na quarta. "Meu amor", na quinta. "Minha adorada", na sexta. "Minha idolatrada noiva", na última.
As primeiras são mais tensas, às vezes sarcásticas. Confirmam a idéia de um Graciliano pessimista. Os fantasmas de rejeição surgem de toda parte: estão nas poucas palavras, no tom de Heloísa, nas hesitações que ela parece sentir.
A seguir, o estilo perde a sobriedade e já surgem sinais de derramamento sentimental. Ele quer mostrar à amada quem é. "Confesso-te honestamente quem sou. Se não te agradam sentimentos tão excessivos, mata-me."
Na terceira carta, ele abre o coração e relaciona seus defeitos: "Sou ingrato e injusto, grosseiro e insensível à dor alheia, um acervo de ruindades." Ali, Graciliano varia da ousadia à autocrítica. "As cartas que te envio já estão se tornando maçadoras" –são as palavras com que abre a terceira.
À medida que a correspondência evolui, o escritor parece sentir-se mais seguro do amor da noiva. Após confessar o que julga seus defeitos, ele expõe suas reservas em relação à crença de Heloísa: "Estou pronto a fazer o que quiseres no convento, mas essa história de confessar a um padre não está certa."
Mais adiante, desfaz com humor cortante as ilusões da moça em relação ao poder (ele tinha sido eleito prefeito de Palmeira dos Índios). Esses momentos de escrita seca e desenvolta alternam-se até o fim com trechos mais convencionais. Aí, estamos diante do que Paes qualifica "cânones tradicionais da epistolografia do amor-paixão", a que não faltam a hipérbole, o derramamento sentimental, a castidade dos propósitos, a afetação de loucura.
As cartas de Heloísa nunca foram publicadas. Graciliano Ramos casou-se com Heloísa em 16 de fevereiro de 1928; renunciou após dois anos ao mandato de prefeito. Em 1933, publicou "Caetés"; em 34, "São Bernardo". Morreu no Rio de Janeiro, em 1953. (IA)

Livro: Cartas de Amor a Heloísa
Autor: Graciliano Ramos

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