São Paulo, sábado, 10 de dezembro de 1994
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Fundamentos fora do lugar

CELSO MARTONE

Depois de seis meses, os fundamentos monetário e fiscal do Plano Real ainda estão fora do lugar, isto é, as políticas cambial, monetária e fiscal não são consistentes com a estabilidade dos preços, nem a curto nem a longo prazo.
Com uma taxa de inflação na casa dos 3% ao mês, uma desindexação geral de preços e contratos, decretada pelo governo, não teria credibilidade e poderia mesmo induzir a ações defensivas dos agentes econômicos, que resultariam numa aceleração da inflação. O tiro sairia pela culatra.
A política fiscal tem sido fortemente expansiva ao longo do governo Itamar. No corrente ano, as despesas do Tesouro Nacional aumentaram 29% em termos reais e as receitas 24%. E o governo alega que tem havido forte repressão de despesas em áreas essenciais. Imaginem se não houvesse.
Para 1995, projeta-se um déficit operacional de 2% do PIB, se esse curso não for revertido. Cobrir o déficit com receita de venda de ativos atenua, mas não resolve o problema. O novo governo terá de estabilizar a despesa em termos reais para 1995 e, se a receita crescer, usar o superávit para retirar dívida pública. Não há garantia de que isso será feito.
A política cambial, cerne do plano, não está bem definida. Permitiu-se uma apreciação exagerada do real até setembro e agora o governo está numa armadilha.
De um lado, não pode permitir apreciação real adicional da taxa de câmbio, sob pena de gerar um déficit em conta corrente insustentável nos próximos anos.
De outro lado, com inflação de 40% ao ano, isso implicaria alguma forma de "indexação" da taxa de câmbio, o que por sua vez criaria rigidez para baixo da taxa de inflação. A solução desse dilema ainda não está clara.
A política monetária, como consequência, está confusa pela indefinição do regime cambial. Além disso, enfrenta dois grandes problemas.
Primeiro, a vulnerabilidade dos bancos oficiais é uma ameaça permanente de uma expansão monetária selvagem se uma crise de liquidez acontecer.
Segundo, não será possível conviver por muitos meses mais com o imenso "spread" criado pelo governo na intermediação financeira (seis impostos e três compulsórios), sob pena de um retrocesso de 30 anos do sistema financeiro nacional.
A solução desse problema vai exigir renúncia fiscal (eliminação de alguns impostos) e uma política monetária mais apertada para permitir a atenuação dos compulsórios.
Nessas condições, ao falar em desindexação, o governo está invertendo prioridades e lançando uma cortina de fumaça para esconder as reais dificuldades do Plano Real.
O que se espera do novo governo é um ataque frontal aos problemas citados acima, para colocar os fundamentos monetário e fiscal da estabilidade no devido lugar. Depois disso, a indexação cairá por si mesma.

CELSO L. MARTONE, 49, é professor titular do Departamento de Economia da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

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