São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 1994
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O complexo lácteo no Mercosul

JOSÉ MILTON P. DE ANDRADE E RICARDO PEREIRA REIS

Nos últimos anos, a economia brasileira vem passando por um processo de liberalização do mercado doméstico, revisão do papel do Estado e ampla abertura comercial. Neste contexto, vive-se a iminente integração do Mercado Comum do Sul (Mercosul), envolvendo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Existem no setor agrícola preocupações com as desigualdades das estruturas produtivas dos países integrantes do Mercosul, e que podem afetar profundamente as economias regionais, gerando situações conflitivas.
Visto a representatividade do Brasil e Argentina no Mercado Comum, as negociações do setor agropecuário serão dirigidas, principalmente, entre estes dois integrantes.
No caso específico da pecuária leiteira, o Brasil responde por cerca de 65% da produção total do Mercosul e a Argentina por 29%. Do total de leite produzido naquele país, 80% destinam-se a industrialização de derivados lácteos, como leite fluido longa vida, leite em pó, manteiga e queijo tipo prato. A Argentina tem experiência no mercado externo, sendo que o Brasil é um de seus principais mercados de derivados de laticínios.
No comparativo de custos de produção de leite, pode-se afirmar que os produtores argentinos possuem vantagens na produção do leite da "porteira para dentro", quando comparados com os pecuaristas de Minas Gerais, maior produtor brasileiro.
Estas vantagens estão localizadas, principalmente, no melhor manejo de rebanho, gastos com alimentação e insumos ligados à produção. Além disto, a alta produtividade do rebanho na Argentina estimula a produção e maior especialização de atividade leiteira.
A valores correntes em dólar, para cada litro de leite produzido em Minas Gerais, produz-se em média 2,1 litros na Argentina. No caso de correção do câmbio (a Argentina vive hoje uma sobrevalorização cambial), esta relação se eleva para 3,2 litros.
Avaliando o beneficiamento do leite, a indústria láctea mineira pode ser considerada mais eficiente do que a indústria argentina. Com vias ao mercado interno, cooperativas mineiras conseguem beneficiar o leite longa vida, leite em pó, manteiga e queijo prato a preços finais inferiores aos produzidos na Argentina.
No entanto, a análise dos lácteos argentinos voltados ao mercado externo revela que, quando estes produtos têm seus impostos reduzidos, cria-se condições favoráveis à Argentina, à exceção da manteiga.
Quando se avalia o poder de penetração dos produtos lácteos argentinos até o mercado mineiro, a preços correntes, a competitividade limita-se ao leite em pó. Mas, a correção de câmbio muda o cenário em torno da competição via preços. Os lácteos importados da Argentina por rodovias a preços corrigidos, são competitivos no mercado de Minas Gerais, excetuando-se a manteiga na região do Triângulo Mineiro.
Se considerarmos o transporte hidroviário-rodoviário, todos os produtos argentinos (leite em pó, longa vida, manteiga e queijo prato) concorrem com seus similares no mercado lácteo do principal Estado produtor de leite do país.
Provavelmente, este último meio de transporte, via hidrovia Tietê-Paraná, será muito utilizado no fluxo de comércio entre Brasil e Argentina.
Depois do leite fluido C, o leite em pó é o produto de maior consumo da população brasileira e também o lácteo mais importado pelo Brasil. O preço deste derivado no mercado mineiro pode favorecer a Argentina em US$ 62,01/t no fluxo rodoviário Córdoba–região metalúrgica; até US$ 518,13/t no trajeto Santa Fé-Sul de Minas. Com a correção cambial, esta diferença a favor do produto lácteo argentino chega até US$ 1,673.99/t, conforme a origem e o destino.
Por hidrovia-rodovia, a diferença de custo de transporte consolida ainda mais o poder de penetração do leite em pó argentino.
Ressalta-se, no entanto, que a curto prazo a situação não é alarmante, pois não haverá entrada maciça de lácteos no mercado brasileiro, já que o excedente exportável da Argentina e de outros países do Mercosul é insuficiente para suprir a demanda nacional.
Até 1990, mais de 90% da produção argentina era destinada ao abastecimento interno. O que precisa ficar claro é que com o livre comércio cria-se condições favoráveis para a Argentina aumentar sua produção, com vistas ao mercado brasileiro.
A partir deste cenário, fica evidente que o Brasil precisa de uma política estável e duradoura para toda a cadeia láctea, começando principalmente no setor produtor leiteiro, que produzindo com maior eficiência e menor custo na origem beneficiará todos os outros agregados da cadeia.

JOSÉ MILTON P. DE ANDRADE, mestre em Administração Rural, é auditor da Fosfértil de Uberaba (MG). RICARDO PEREIRA REIS é professor de pós-graduação do Departamento de Administração e Economia da Escola Superior de Agricultura de Lavras (MG).

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