São Paulo, terça-feira, 13 de dezembro de 1994
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Os senhores do vale-tudo

JANIO DE FREITAS

Um ex-presidente, o atual e o futuro, nada menos do que estas três figuras elevadas ao mais alto cume nacional, são as principais personagens das gravações clandestinas que documentam o uso da administração federal como gazua para endinheirar candidatos nas últimas eleições. Diante disso, não há como negar que a absolvição de outro ex-presidente seja coerentemente lógica.
As gravações são trechos selecionados pelo mandante do grampeamento –e transcritos pela repórter Edna Dantas na revista "Veja"– para comprometer o dono do telefone gravado, José de Castro Ferreira, presidente da Telerj até o último dia 4 e amigo-beneficiário do presidente Itamar Franco. O objetivo, mais do que alcançado, foi muito ultrapassado.
O método sórdido de gravação clandestina encontrou perfeita correspondência no teor das gravações: Sarney, Itamar e Fernando Henrique em conversas conluiosas, em torno de milhões que não se sabe se de cofres públicos ou privados, narradas ao telefone por pessoas de plena intimidade e confiança dos três –o próprio Zé de Castro e o ministro Djalma Morais, das Comunicações.
Não há motivo, porém, para preocupar-se com mais esta exibição das vísceras morais dos portadores da moralização: os magistrados dos altos tribunais já decidiram que o governo federal não se envolveu em falcatruas eleitorais. E os magistrados dos altos tribunais são rigorosos. Embora de um rigor muito peculiar, incompreensível por quem não integre um dos círculos do poder: aceitaram a legitimidade da destituição de Collor por corrupção passiva, mas não reconheceram provas de corrupção passiva para condená-lo a pena infinitamente menor do que a perda da Presidência. Em síntese, chegaram à sábia conclusão de que não poderiam condenar por corrupção passiva se não havia a indicação dos corruptores ativos, os pagadores.
Foi uma decisão que muda muita coisa no Brasil. A criminalidade homicida, por exemplo, vai ter queda vertiginosa. Os militares podem deixar as ruas do Rio e voltar aos quartéis. Se houver um corpo picotado por balas, mas o assassino não foi apresentado, não houve o crime. O faroeste está liberado.
Os milhares de contratos ilegais do Ministério dos Transportes, outro exemplo, devem voltar depressa aos arquivos: contêm fraudes, superfaturamento, desvios, mas não há prova de que os seus beneficiários, ativos e passivos, tivessem a intenção de fraudar, superfaturar, desviar. Como Collor, os corrompidos recebiam um dinheiro que nada prova saberem de onde vinha.
Para encurtar, o direito à bandalheira está reconhecido e consagrado. Se for bem realizada, a pretendida reforma do Código Penal substituirá muitos artigos por um: para os da classe poderosa vale tudo, e o resto que se dane.

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