São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Anistia espúria

O Congresso Nacional corre o risco de acirrar ainda mais o profundo descrédito e suspeita que lhe dedica a população. Depois da vergonhosa votação do Senado, que aprovou uma inacreditável anistia para parlamentares que cometeram crime eleitoral, agora é a vez de a Câmara decidir se apóia o ardil.
O projeto constitui um exemplo flagrante do que é legislar em causa própria. Anistia congressistas que tenham usado da gráfica do Senado para imprimir material eleitoral. Isso, lembre-se, quando eles mesmos aprovaram a lei que proibiu o uso de recursos públicos com tais fins.
Ocorre que a tradição nacional sempre foi de generosa liberalidade com essas práticas e de generalizada impunidade em se tratando de figuras públicas. O abuso da gráfica tornou-se corriqueiro e passou mesmo a ser visto como algo normal para muitos no Legislativo.
Quando o atual presidente do Congresso, Humberto Lucena, teve sua candidatura cassada, o sinal de alerta do corporativismo disparou. Protestou-se, por exemplo, contra a suposta injustiça de uma condenação isolada. Ora, a injustiça é contra os cidadãos cujos impostos têm custeado propaganda eleitoral irregular. E mais, se a prática é comum, isso não é razão para inocentar Lucena, mas sim para cobrar que todos os outros autores do mesmo ilícito sejam devidamente punidos.
Apesar do claro repúdio da sociedade, o projeto foi aprovado por 42 senadores contra 1 (Eduardo Suplicy, do PT). Na Câmara, PT, PDT e PL fecharam questão contra a anistia, enquanto PFL, PMDB, PTB e PC do B estão a favor –com dissidências. O PSDB, que a apoiou no Senado, agora está dividido.
Movida pelo mais forte dos estímulos –a autopreservação–, a corporação-senado foi ainda mais longe. Passou a chantagear a própria Câmara a aprovar a anistia sob ameaça de divulgação de uma lista de deputados que também teriam utilizado a gráfica do Senado.
Está agora nas mãos dos deputados a chance de impedir mais um gigantesco golpe contra a esquálida imagem do Congresso. É certo que o presidente pode vetar o projeto, mas seria muito melhor para o país e para a credibilidade de suas instituições se os deputados se mostrassem, pelo menos desta vez, à altura das suas responsabilidades.

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