São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Um imenso Borel

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO – A absolvição de Fernando Collor é certamente a demonstração acabada da falência do sistema de administração da Justiça no Brasil, incluindo aí o período de investigação policial.
Não pela absolvição em si. Ela se enquadra, à perfeição, na sagrada tese de que todos são inocentes, até prova em contrário. O diabo é justamente não se ter conseguido produzir a prova em contrário.
Haverá poucos episódios na administração pública universal em que foram tão abundantes os indícios de que uma máquina de corrupção se instalara no coração do governo como na era Collor. Nem assim o aparelho de Estado encarregado das investigações conseguiu transformar os indícios em provas.
Na Itália, em situação parecida, a investigação judicial provocou pura e simplesmente a implosão de um sistema partidário que ajudara a erguer o país dos escombros da guerra às alturas de quarta ou quinta potência mundial.
No Brasil, ficaram incólumes todos, inclusive os empresários que confessaram pelo menos dois crimes: um, o de doação ilícita de dinheiro. O outro, o de conivência com a chantagem de que se disseram vítimas para que tal dinheiro fosse entregue ao esquema PC/Collor.
O máximo de constrangimento a que se submeteram foi o de prestar depoimento em uma dependência policial.
Fica claro que, na maioria das questões de fato relevantes, o Brasil é um país de espasmos. De repente, ficou moda pregar a ética na política. As pessoas pintaram as caras, saíram às ruas, um presidente foi afastado –e todo o sistema podre manteve-se virtualmente inalterado.
Tão inalterado que alguns dos suspeitos de então podem se dar ao luxo de ser de novo doadores dos principais candidatos de agora, ainda que, desta vez, dentro da lei.
Lembra um pouco a história do jogo do bicho. No início, até simpático, folclórico. No início e depois também, socialmente aceitável, frequentador dos salões da elite. Deu no que deu. Ou o Brasil revoluciona sua Justiça ou corre o risco de virar um imenso Borel.

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