São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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Aventura cambial

ANTONIO DELFIM NETTO

O problema mais polêmico e devastador do Plano Real é, sem dúvida, o da taxa de câmbio. Fica cada vez mais evidente que o país foi vítima de uma grande aventura que agora procura justificativa numa pseudoteoria econômica "moderna". As autoridades monetárias seriam portadoras de um conhecimento hegemônico que lhes permite impor à sociedade as suas decisões, porque elas são resultado do conhecimento "científico".
Era assim, até bem pouco tempo, que impunham a sua vontade os portadores da "verdade" derivada do marxismo de pé quebrado, que fez a alegria e a glória de alguns de nossos intelectuais...
Não existe a mínima evidência de que a taxa de câmbio real resultante das estripulias que a política monetária fez nos últimos cinco anos estivesse muito fora do que se pode imaginar fosse a de equilíbrio (se é que alguém sabe o que é isso). O saldo em conta corrente dos últimos cinco anos foi praticamente nulo. Acumulou-se um montante extravagante de reservas nos últimos 30 meses, mas isso foi basicamente resultado dos enormes diferenciais entre as taxas de juro interna e externa.
Existem outras evidências que reforçam aquela proposição, uma vez que é empiricamente impossível encontrar o que seria a "taxa de equilíbrio"? Cremos que sim. A tabela abaixo compara a situação brasileira com a da Coréia, hoje transformada em paradigma do sucesso econômico:

Se a taxa de câmbio real estivesse subvalorizada, parece razoável esperar que a participação das exportações brasileira nas exportações mundiais estivesse aumentando. Isso de fato ocorreu no período 75/77 e, mais intensamente, no período 82/84. Mas é visível que nos oito anos seguintes (de 84 a 91) os efeitos de maxidesvalorização de 1983 foram sendo errodidos. Hoje nossa participação é menor do que a de 71/73!
O caso da Coréia é exemplar. Nos 19 anos que medeiam entre 71/73 e 90/92, suas exportações cresceram à taxa de 21% ao ano (enquanto as brasileiras não atingiram a taxa mundial de quase 12%). A sua taxa de câmbio real foi mantida praticamente constante no período, comparada com o dólar (e desvalorizou-se com relação às outras moedas).
Apesar de ligado ao dólar, o won sofreu quatro maxidesvalorizações a partir de 1961. E desde 1980 a Coréia se encontra num sistema de "managed float". Uma habilidosa combinação de política fiscal e monetária impediu, entretanto, que houvesse qualquer flutuação brusca na taxa real de câmbio e estimulou um movimento continuado de desvalorização.
Isso mostra que nossa flutuação cambial suja e voluntariosa foi apenas tolice. Sem uma verdadeira âncora monetária, sem um equilíbrio fiscal sólido e sem coragem de assumir um compromisso cambial mais inteligente, o mercado vai perceber, mais cedo ou mais tarde, que o custo dessa política é insuportável. Aí o governo terá grande surpresas!

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