São Paulo, quarta-feira, 14 de dezembro de 1994
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O STF não é vaca de presépio

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Com o rolo compressor da mídia em cima da sociedade, em breve não serão necessários tribunais, partidas de futebol e eleições.
Criado o clima, a realização de um julgamento, de um jogo ou de uma eleição será dispensável. Há o risco de o julgamento, o jogo ou a eleição contrariar o "mood", o consenso das ruas. E aí, fica valendo o quê?
Sem entrar no mérito da decisão do STF no caso Collor: a tônica dos comentários que rolaram pela mídia era no sentido de que os ministros não poderiam "contrariar" a opinião pública.
Pergunta que fiz semana passada: para que existem tribunais, jogos de futebol e eleições se os resultados não podem contrariar a opinião pública?
Decreta-se que o Palmeiras deve ser campeão: tem o melhor time, o melhor técnico e o melhor esquema. Logo, não se deve obrigá-lo a entrar em campo a fim de correr o risco de perder para um time sem as mesmas qualificações.
Com as eleições já começa a ocorrer a pressão da "voz das ruas". As pesquisas captam as tendências do eleitorado e, a partir daí, a mídia engrossa. Está criado o rolo compressor. Os financiamentos (indispensáveis à campanha que sairá vitoriosa) concentram-se no favorito. Armado o circo, para que eleição?
Com os tribunais a situação é delicada. As ruas, a mídia e o universo político julgam determinado fato à luz de tendências ou interesses emocionais (povo) ou partidários (classe política). Foi o caso de Collor: o povo e os políticos o expulsaram do poder porque pisou feio na bola. Até aí, tudo bem.
Num tribunal de última instância prevalecem outros critérios. Os romanos estabeleceram a sacralidade do réu: "res sacra reus". Seja ele um homicida ou um batedor de carteiras.
Para isso os juízes dispõem de regalias que evitam as pressões vindas das ruas, do Executivo ou do Legislativo. Devem julgar dentro da lei –seja ela benéfica ou maléfica ao réu. Fazer do Supremo uma vaca de presépio das ruas ou da mídia é uma bravata da cidadania mal compreendida.

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