São Paulo, quinta-feira, 15 de dezembro de 1994
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Pesquisática

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ensinaram-me no seminário que a mania de fazer trocadilhos ou criar neologismos é de mau gosto. Daí que não curto as duas manifestações tidas como reveladoras de sagacidade intelectual.
Mas sem querer, em conversa com amigos no domingo, me surpreendi embaralhando pesquisa e informática numa palavra que me saiu com um som parecido ao de pesquisática –reconheço, é um palavrão, mas vamos lá.
Juntando as duas coisas teremos a modernidade neoliberal aplicada aos eventos públicos e privados. Comecemos pelo futebol, em alta aí em São Paulo, com a decisão entre Palmeiras e Corinthians.
Para que o jogo? É uma barbárie, sujeita ao vandalismo das torcidas e a resultados que não são lógicos nem modernos. Adotando-se a pesquisática, teríamos, como preliminar, uma ampla pesquisa às torcidas para saber qual o vencedor desejado e o escore pretendido. Como a torcida corintiana parece ser a maior, um dado da questão estará resolvido. O escore dependeria da média obtida entre os palpites sugeridos.
De outro lado, haveria um computador de capacidade média que seria abastecido com informações atualizadas sobre os times e clubes: histórico, campanhas passadas, saldo de vitórias e derrotas, performances dos jogadores, gols contra e a favor, outros dados técnicos, sociais e morais.
Teríamos assim o veredicto do computador: digerido todos esses dados, ele acabaria fornecendo não apenas o vencedor, mas o escore, os autores dos gols etc.
Obteríamos um campeão sem o desgaste dos times, que são obrigados a entrar em campo para correrem o risco de contrariar a opinião pública, expressa democraticamente pela maioria. E sem perturbar a lógica dos fatos, revelada pela análise dos dados computados pela eletrônica.
Aplicada a pesquisática a outros setores da faina humana, não precisaríamos de eleições, orçamentos, leis nem de Executivo, Legislativo e Judiciário. Teríamos uma sociedade melhor, soluções mais justas e sempre de acordo com a opinião das ruas. Poderíamos mandar os ministros do STF para casa e transformar os estádios em celeiros para a campanha contra a fome.

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